Quem é Marcelo Ramos, vice da Câmara que passou a enfrentar Bolsonaro
Desde que apoiou a chegada de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara, em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro tem se beneficiado da fidelidade do deputado na condução da Casa. Aquela eleição do início do ano, porém, não deu poder apenas a Lira: o o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) assumiu como primeiro vice-presidente da Câmara e vem enfrentando Bolsonaro com ímpeto crescente.
Apenas nos últimos dias, Ramos acusou o governo de armar um "acordão" para dobrar o valor do fundo eleitoral e ainda avisou que analisará os pedidos de impeachment contra Bolsonaro já entregues ao Congresso. A prerrogativa de abrir o processo de impedimento cabe ao presidente da Câmara, mas é Ramos quem assume o cargo se Lira estiver ausente ou impossibilitado de exercer a função.
A briga entre Ramos e Bolsonaro começou há uma semana, quando o Congresso aprovou a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) com a previsão de um novo fundo eleitoral para uso dos partidos no ano que vem, com valor calculado em R$ 5,7 bilhões. Parlamentares bolsonaristas votaram a favor da LDO, mas criticaram o fundão e acusaram Ramos de não ter destacado esse trecho do projeto para ser votado em separado.
Em conversa com apoiadores na última segunda-feira (19), Bolsonaro fez o mesmo discurso. "Teve um destaque para votar em separado os [quase] R$ 6 bilhões. O presidente [da Câmara] em exercício, lá de Manaus... Como é o nome do cara? Tão insignificante que esqueci o nome dele. Atropelou o regimento e não deixou votar. Agora cai para mim, né?", disse o presidente.
Antes desse episódio, Ramos já vinha subindo o tom dos discursos contra o governo. Em maio, por exemplo, o deputado atacou Bolsonaro por ter ameaçado acabar com a Zona Franca de Manaus em resposta à atuação dos senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Eduardo Braga (MDB-AM) na CPI da Covid.
No fim do mês passado, em discurso na Câmara, o parlamentar criticou as tentativas dos governistas de colocar em dúvida as eleições do ano que vem com base em alegações sem prova de fraude nas urnas eletrônicas. "Nós não podemos dar uma solução para um problema que não existe", declarou.
Próximo de completar 48 anos, Marcelo Ramos está em seu primeiro mandato em Brasília, mas não é um político principiante. No final de 2018, ainda antes de assumir o cargo, ele se aproximou do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e foi premiado com a presidência da comissão da reforma da Previdência, a pauta mais importante do Congresso no primeiro ano do governo Bolsonaro.
Também foi Ramos quem presidiu, durante a gestão de Maia, a comissão sobre a prisão em segunda instância. Por ter assumido a 1ª vice-presidência da Câmara, o deputado deixou o comando do colegiado em abril desse ano.
Maia deixou o poder brigado com Lira, mas Ramos soube fazer a transição entre as duas épocas. Em novembro do ano passado, ele chegou a se declarar interessado em disputar ele próprio a presidência da Câmara, mas logo recuou e passou a apoiar Lira. Em fevereiro, ele concorreu à vice-presidência sem concorrentes e foi eleito.
Egresso da esquerda
Nascido em Manaus em 29 de agosto de 1973, Marcelo Ramos perdeu o pai aos 12 anos e teve que ajudar a cuidar desde cedo dos irmãos mais novos. Sua carreira política começou no movimento estudantil, ainda como secundarista, e ganhou corpo quando ele foi cursar Direito na Ufam (Universidade Federal do Amazonas), onde presidiu o centro acadêmico.
Em 1993, aos 20 anos, filiou-se ao PCdoB, onde conheceu nomes como Orlando Silva (PC do B-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ). Foi pelo partido comunista que ele conquistou seu primeiro cargo eletivo, em 2008, quando tornou-se vereador de Manaus. Em 2010, mudou-se para o PSB e foi eleito deputado estadual no Amazonas.
Pela mesma legenda, tentou um passo mais largo em 2014 e concorreu ao governo do Amazonas. Em uma chapa isolada, sem qualquer coligação partidária, surpreendeu ao ficar em terceiro lugar com 10,94% dos votos, mas faltaram apoios para chegar ao segundo turno.
No ano seguinte, Ramos afastou-se mais da esquerda e filiou-se ao Partido da República, o PR, hoje rebatizado de PL (Partido Liberal). Pela nova sigla, ele concorreu em 2016 à prefeitura de Manaus.
Desta vez, Ramos montou uma coligação com sete partidos, incluindo DEM e o PSD. O candidato teve apoio do senador Omar Aziz e da esposa dele, a deputada estadual Nejmi Aziz (PSD-AM), com quem fez campanha nas ruas. As alianças, porém, não bastaram para a vitória, e Ramos acabou derrotado no segundo turno para Arthur Virgílio (PSDB-AM).
Em 2018, enfim, foi eleito deputado federal com mais de 106 mil votos. Ficou com a sexta das oito vagas destinadas ao Amazonas na Câmara.
Tragédia pessoal
A morte do pai durante a infância não foi a única grande perda familiar de Marcelo Ramos. O deputado é casado e pai de três filhos, um deles já adulto, mas sofreu um trauma com a morte de uma filha de três meses de idade, em 2004.
Advogado, Ramos tem especialização em direito processual e um MBA em Gestão Governamental. Além dos mandatos para os quais foi eleito, ele ocupou cargos no governo do Amazonas e no hoje extinto Ministério do Esporte, durante o governo Lula.
O esporte, aliás, é uma de suas paixões: além de jogar futebol em um time de masters (veteranos), Ramos é maratonista e triatleta. O deputado já competiu inclusive no IronMan, uma prova que exige 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e, depois disso, mais 42 km de corrida.
Mesmo depois de eleito para a Câmara, Ramos mantém um blog chamado "Corro à toa", no qual compartilha suas reflexões sobre o esporte e a vida. Num dos textos, descreveu sobre como os sofrimentos pessoais o fortaleceram para encarar competições extenuantes.
"Perdi meu pai com 12 anos e não aprendi a desistir. Perdi a minha filha com apenas 3 meses de vida e a não aprendi a desistir. E é essa força que me move na vida e no esporte a andar sempre pra frente", disse.
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