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Moraes pede vista e suspende julgamento do marco temporal no STF

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

15/09/2021 16h15Atualizada em 15/09/2021 18h56

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu vista dos autos no julgamento do marco temporal das terras indígenas, que deve impactar futuras demarcações das áreas.

O pedido do ministro interrompe a análise do caso, que era apreciado pela Corte desde o final de agosto, e adia a decisão sobre o assunto por tempo indeterminado. O caso só voltará à pauta do tribunal quando Moraes liberar o processo e uma nova sessão for agendada pelo Supremo.

Quando Moraes começou a apresentar seu voto, o placar estava em 1 a 1. O ministro Edson Fachin, relator do caso, havia votado contra a tese do marco temporal, que estabelece que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição, em outubro de 1988.

Mas o ministro Nunes Marques, que votou em seguida, divergiu de Fachin e se posicionou favorável à tese do marco, que é apoiada por ruralistas e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Com a interrupção, ficam pendentes os posicionamentos de Moraes e de outros sete integrantes da Corte.

Os votos

Ao apresentar seu voto, na semana passada, Fachin afirmou que não pode haver um marco temporal para determinar se indígenas podem ou não reivindicar as terras, já que se trata de um direito fundamental destes povos.

"Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação", defendeu o ministro.

Fachin defendeu que eventuais desapropriações de terras, devido a novas demarcações, devem ser compensadas com indenizações sobre as benfeitorias e, se for o caso, prioridade nos programas de assentamento do governo federal

"Não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé", afirmou Fachin. "No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais", ponderou.

Para Nunes Marques, porém, os povos indígenas que não estavam nos territórios à época da Constituição precisam comprovar que eram alvos, em outubro de 1988, de um conflito físico ou de disputa judicial que os impedia de ocupar as terras. Para ele, a tese do marco temporal "é a que melhor concilia os interesses em jogo" no tema.

Segundo Nunes Marques, as terras indígenas não podem ser demarcadas com base em "esbulhos ancestrais", ou seja, em desapropriações impostas aos indígenas em tempos remotos.

"Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988, e suas gerações posteriores, têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente o seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, já acomodadas pelo tempo e pela própria dinâmica histórica", declarou.

Entenda

A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas sobre o tema em todas as instâncias da Justiça no país. A disputa opõe ruralistas, apoiados por Bolsonaro, e mais de 170 povos indígenas, que enviaram cerca de 6.000 representantes a Brasília para acompanhar o julgamento, segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O processo trata de uma briga judicial de 12 anos entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do estado. Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental.

Por essa razão, a Fatma, órgão ambiental catarinense à época, pediu reintegração de posse na Justiça. A ordem foi concedida em primeira instância e confirmada pelo TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região), em Porto Alegre. A Funai (Fundação Nacional do índio), então, recorreu da decisão do TR4, e o caso chegou ao Supremo no final de 2016.