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Marco temporal: Bolsonaro cita 'repercussões catastróficas' para cobrar STF

Lucas Valença

Do UOL, em Brasília*

15/09/2021 12h30Atualizada em 15/09/2021 13h24

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse hoje que uma eventual reprovação do entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) à tese do chamado "marco temporal" pode influenciar no aumento de preços de alimentos no Brasil e causar desabastecimento no mundo. Ele não detalhou seu raciocínio, limitando-se a dizer que a questão pode impactar na produção de alimentos do País. Não existem provas que confirmem essas afirmações.

O julgamento, que será retomado hoje, pode mudar a política de demarcações de terras indígenas no Brasil. Em seu relatório, o ministro Edson Fachin se apresentou um parecer contrário à tese do marco temporal, que tem sido defendido por grupos ligados ao agronegócio.

"Se esse novo marco temporal passar a existir, caso o Supremo assim entenda, será um duro golpe no nosso agronegócio, com repercussões internas quase catastróficas, mas também lá fora ", disse Bolsonaro.

"Se o Brasil tiver que demarcar novas reservas indígenas, conforme previsão do Ministério da Agricultura, o equivalente a mais 14% do território nacional, o preço do alimento vai disparar e podemos ter no mundo desabastecimento", disse o presidente.

Especialistas apontam que as duas previsões usadas por Bolsonaro não existem. Ambientalistas e defensores dos direitos indígenas afirmam que as áreas indígenas atualmente reivindicadas e que poderiam ser demarcadas caso seja rejeitada a tese do marco temporal têm uma extensão bem menor do que aponta Bolsonaro, além de garantir a proteção de florestas e rios.

Em relação a um suposto desabastecimento, o diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento, Sergio De Zen, já contradisse o presidente ao projetar que o agronegócio brasileiro deve continuar crescendo, mas com base em aumento de produtividade, e não em expansão de terras.

De Zen afirmou ainda que é possível crescer a área plantada usando o mesmo território, investindo em ações como segundas safras de milho e soja e integração com a floresta, usando tecnologia e métodos modernos.

A discussão sobre o "marco temporal" está na pauta do STF para ser retomada hoje com a conclusão do voto do ministro Kássio Nunes Marques, mas a votação já chegou a ser adiada outras três vezes.

Segundo reportagem da colunista Carolina Brígido, do UOL, ministros da Corte confirmaram que há a possibilidade de um pedido de vista.

Entenda a tese

A tese do marco temporal propõe que indígenas só possam reivindicar as terras, caso comprovem que ocupavam o local quando a Constituição foi promulgada em outubro de 1988.. O caso está sendo apreciado pelo STF desde o último dia 26, quando 6.000 indígenas estiveram acampados em Brasília para pressionar os ministros a rejeitarem a tese do marco temporal.

A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas sobre o tema em todas as instâncias da Justiça no país. A disputa opõe ruralistas, apoiados por Bolsonaro, e mais de 170 povos indígenas.

O processo trata de uma briga judicial de 12 anos entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xoclengue, que reivindicam um território na região central do estado. Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental.

Por essa razão, a Fatma, órgão ambiental catarinense à época, pediu reintegração de posse na Justiça. A ordem foi concedida em primeira instância e confirmada pelo TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região), em Porto Alegre. A Funai (Fundação Nacional do índio), então, recorreu da decisão do TR4, e o caso chegou ao Supremo no final de 2016.

Discurso bolsonarista

No fim do mês passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também afirmou que a decisão do Supremo pode causar um "grande impacto" na agricultura brasileira.

"Se o Supremo mudar o seu entendimento sobre o marco temporal, haverá uma ordem judicial para eu demarcar, em terras indígenas, o equivalente à região Sudeste. Ou seja, hoje nós temos algo em torno de 14% demarcado como sendo de terras indígenas, vamos passar para aproximadamente 28%", declarou o presidente à época a uma rádio pernambucana.

A fala do presidente, contudo, foi criticada pela advogada Juliana Batista, do ISA (Instituto Socioambiental). Segundo ela, o percentual apresentado por Bolsonaro não condiz com a realidade, já que "as demandas restantes a serem demarcadas são muito pequenas".

"É completamente impossível que se chegue ao número mentiroso de Bolsonaro. Fabricam-se números sem prova mínima para justificar um marco temporal", afirmou.

Com informações da agência Reuters. Colaborou Fábio Castanho.