Com assassinatos diários, cidade nos EUA vive experiências de zonas de guerra
O correspondente da BBC Ian Pannell já conheceu muitos locais assolados pela violência. Ele cobriu guerras no Iraque, Afeganistão e Síria. Mas, baseado atualmente em Washington, Estados Unidos, ele não teve que ir muito longe para fazer uma nova reportagem sobre conflitos: Pannell retratou o que está por trás das impressionantes taxas de violência de Chicago, que atingiram o seu patamar mais alto dos últimos 20 anos.
O jornal Chicago Tribune reportou que, no início de setembro, a cidade registrou seu 500º homicídio de 2016, mantendo uma tendência de alta nesse tipo de crime iniciada em 2014, atribuída à guerra entre gangues rivais, à proliferação de armas e à exclusão socioeconômica de parte da população.
Apesar de haver diferenças brutais entre zonas de guerra da Síria e as ruas de bairros como Englewood ou Austin, Pannell diz reconhecer algumas similaridades.
Desde 2001, 7.916 pessoas foram assassinadas em Chicago. A perda de vidas americanas foi maior do que nas guerras do Iraque (4.504) e Afeganistão (2.385) juntas.
Chicago, de 2,7 milhões de habitantes, vive um problema conhecido em metrópoles brasileiras. O Rio de Janeiro teve mais de 39 mil mortes violentas entre 2001 e 2015. No mesmo período, a cidade de São Paulo registrou mais de 34 mil casos de homicídios dolosos, segundo as respectivas Secretarias de Segurança.
Leia o depoimento de Ian Pannell à BBC News:
A guerra vira um meio de vida
"As pessoas vivem sob ameaça ou convivem com elementos de perigo, e apesar de o grau ser completamente diferente, ele tem semelhanças para as populações civis nos dois ambientes.
Então, o que se vê é o seguinte: se você for para zonas de guerra em dias em que nada está acontecendo, tudo pode parecer muito normal.
O que sempre me impressiona - e você pode ver isso tanto em Chicago como na Síria - são as pessoas: elas estarão nas ruas, estarão fazendo compras, mas elas conhecem as regras. Quando a confusão começa, elas recuam imediatamente e todo mundo desaparece.
Alguém em Chicago me disse: 'o carteiro sabe'. O carteiro não vai àquelas ruas quando há algo acontecendo. E acontece o mesmo em zonas de guerra - as pessoas se adaptam, mas isso tem consequências psicológicas.
As pessoas não desistem. Mas elas convivem com níveis de trauma, perigo e estresse que não são normais, e não é possível lidar com aquele nível de amaça e perigo de forma rotineira sem que aquilo te afete."
O poder das armas
"Eu nunca vi tantas armas em mãos civis fora de uma zona de guerra tradicional como vi em partes de Chicago.
Eu nunca vi uma prontidão para usar armas fora de uma zona de guerra tradicional como eu vi em áreas da cidade.
Em uma zona de guerra você espera que as pessoas estejam armadas, elas estão prontas para usá-las e há uma grande chance de que elas tenham que usá-las.
Em Chicago há garotos que ganharam autoridade pelas armas, eles ganham um status que não teriam se não as possuíssem.
Na Síria há muitos jovens desempregados ou subempregados que se uniram a grupos rebeldes não por acreditar na luta deles, mas para ganhar status. Deram a eles armas, um papel e um significado.
Acontece a mesma coisa em Chicago - acontece a mesma coisa com as gangues."
Impacto nas crianças
"A infância acaba cedo nos dois lugares. As pessoas que perpetram a violência não se importam com isso. Para eles, é um 'dano colateral'.
Em Chicago, um desses danos colaterais é a menina Tacarra Morgan, que foi baleada no estômago enquanto brincava fora de casa. O mesmo acontece com as crianças que são hospitalizadas na Síria após serem atingidas por disparos ou estilhaços de bombas enquanto brincavam em suas ruas.
As crianças se tornam insensíveis à violência. Uma pessoa é baleada e elas continuam subindo e descendo a rua com suas bicicletas porque estão acostumadas a ver aquilo. O mesmo acontece nas zonas de guerra.
Com o tempo alguém coloca armas nas mãos delas e elas abraçam uma vida de violência. O limiar onde você estaria disposto a pegar uma arma e atirar em alguém é fortemente reduzido."
Jovens sem saída
"O oeste de Chicago foi a área civil onde eu me senti mais próximo de um ambiente hostil por causa da forma como esses jovens agem.
Eles trabalham em grupo, todos cautelosos. Eles olham para todas as direções, prestando atenção se algo se aproxima. É o mesmo tipo de comportamento que você vê em um grupo rebelde.
Os jovens têm que fingir que são homens fortes o tempo todo. Se contam com a oportunidade de falar eles têm mil coisas guardadas em seus corações.
Dizem: 'não há saída disso aqui; quero que isso pare; se tivesse outra maneira...'
Há esse sentimento de falta de alternativas. É como um labirinto - quando você consegue sair está no começo de novo."
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