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Por qual motivo é grande o número de jovens extremistas dentro da comunidade muçulmana?

Da esquerda para a direita: Tamerlan Tsarnaev, 26, que  morreu durante troca de tiros com a polícia de Boston. Na sequência, Dzhokhar Tsarnaev, 19, capturado pelos policiais  durante perseguição. Os irmãos são suspeitos de atentado em Boston, que deixou três pessoas mortas e mais de 170 feridos - The Lowell Sun / Robin Young/AP
Da esquerda para a direita: Tamerlan Tsarnaev, 26, que morreu durante troca de tiros com a polícia de Boston. Na sequência, Dzhokhar Tsarnaev, 19, capturado pelos policiais durante perseguição. Os irmãos são suspeitos de atentado em Boston, que deixou três pessoas mortas e mais de 170 feridos Imagem: The Lowell Sun / Robin Young/AP

Thomas Friedman

30/04/2013 00h01

Enquanto os investigadores de polícia tentam destrinchar os fatos relacionados ao atentado na Maratona de Boston, eu gostaria de comentar dois aspectos relacionados ao desdobramento dessa história: a mentalidade dos supostos terroristas e o papel da internet em sua formação. Informações importantes sobre esses dois aspectos foram divulgadas em uma única reportagem publicada na edição de terça-feira (23) passada do jornal “Washington Post”.  

“O suspeito de 19 anos do atentado à Maratona de Boston contou aos detetives que as guerras travadas pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão motivaram ele e seu irmão a realizarem os ataques, de acordo com autoridades norte-americanas familiarizadas com as entrevistas”, informou o “Washington Post”. Essas autoridades disseram que “Dzhokhar e seu irmão mais velho, Tamerlan Tsarnaev... não parecem ter recebido ordens de uma organização terrorista estrangeira. Em vez disso, disseram as autoridades, até o momento as evidências sugerem que eles se “auto-radicalizaram” por meio da leitura de sites da internet e das ações dos EUA no mundo muçulmano. Dzhokhar Tsarnaev citou especificamente a guerra dos EUA no Iraque, que terminou em dezembro de 2011 com a retirada das últimas tropas norte-americanas, e a guerra no Afeganistão”.

Esse é um argumento popular entre os grupos muçulmanos radicais e, com certeza, alguns jovens muçulmanos ficaram profundamente irritados com as intervenções dos EUA no Oriente Médio. Os irmãos Tsarnaev podem estar entre eles.


Mas o que, em nome de Deus, isso tem a ver com plantar bombas na Maratona de Boston e explodir pessoas inocentes? Para mim,  é incrível como nós passamos a aceitar essa falsa conclusão e quão facilmente nós permitimos que grupos muçulmanos radicais e seus defensores escapem impunes.

Uma pergunta simples: se você ficou chateado com as guerras travadas pelos EUA no Iraque e no Afeganistão, por que você não viajou e construiu uma escola no Afeganistão para fortalecer a comunidade do país ou obteve um mestrado ou um doutorado para aprimorar suas qualificações ou se tornou professor de matemática no mundo muçulmano para ajudar seu povo a ser menos vulnerável às potências estrangeiras? Dzhokhar afirma que ele e seu irmão ficaram tão chateados com alguma coisa que os Estados Unidos fizeram em algum desses países que eles tiveram que ir até a rua Boylston e explodir pessoas que não tinham nada a ver com isso (algumas das quais poderiam ser muçulmanas). E, geralmente, nós apenas concordamos com a cabeça em vez de nos perguntarmos: que tipo de loucura doentia é essa?

E temos uma dupla falsa conclusão quando se trata de jovens muçulmanos que viveram e estudaram nos Estados Unidos, país no qual, se você está chateado com alguma coisa, você tem muitas maneiras de expressar sua oposição e obter um impacto – desde a organização de protestos até a publicação de artigos e a candidatura a um cargo político. Na verdade, um cara norte-americano chamado Barack, cujo avô era muçulmano, fez exatamente isso. E agora ele é presidente dos EUA – função que ele usou para acabar com as guerras no Iraque e no Afeganistão.

Além disso, cerca de 70 mil pessoas, a maioria delas de origem muçulmana, foram mortas por outros muçulmanos na guerra civil da Síria, com a qual os EUA não tiveram nada a ver – embora muitos muçulmanos agora estejam nos pedindo para intervir e acabar com essa guerra. E, toda semana, muçulmanos inocentes são explodidos por terroristas suicidas muçulmanos no Paquistão e no Iraque – toda semana. Milhares deles foram mutilados ou mortos em ataques tão sem sentido que os terroristas nem mesmo se incomodaram em divulgar seus nomes ou fazer exigências. No entanto, isso tudo não parece ter demovido os irmãos Tsarnaev nenhum pouquinho.

E por que isso? Nós com certeza não devemos incluir todos os muçulmanos nesse balaio. Tendo vivido no mundo muçulmano eu sei quão injusto isso seria. Mas nós precisamos fazer duas perguntas que apenas os muçulmanos são capazes de responder: o que está acontecendo em suas comunidades que um número tão grande de jovens muçulmanos acredita que cada ação militar dos EUA no Oriente Médio é intolerável e justifica uma resposta violenta? E por que tudo o que extremistas muçulmanos fazem a outros muçulmanos é ignorado e invoca, principalmente, o silêncio?

Quanto ao papel que os sites aparentemente desempenharam na “auto-radicalização” dos dois irmãos tchetchenos, ele é mais um lembrete de que a internet é um rio digital que carrega fontes incríveis de sabedoria e ódio na mesma corrente. Está tudo lá – junto. E os nossos filhos e os cidadãos em geral interagem com esse fluxo abertamente, sem nenhuma supervisão.

Dessa forma, um número cada vez maior de pessoas está mais diretamente exposto a mais informações e opiniões em estado bruto todos os dias, provenientes de todos os lugares. Por isso, é mais importante do que nunca que nós sejamos capazes de programar corretamente o software interno e os filtros internos de cada cidadão, para que cada um seja capaz de separar os fatos da ficção dentro dessa torrente eletrônica, que oferece tanta informação que nunca foi tocada por um editor, um censor ou um advogado. É por isso que, quando a internet surgiu e nós nos conectávamos via modem, eu costumava insistir que os modems vendidos nos EUA deveriam vir com um alerta do Ministério da Saúde, da mesma forma que os cigarros. O alerta que eu imaginei diria o seguinte: “Atenção: julgamento não incluído”.

E é por isso que, quanto mais rápida, mais acessível e ultramoderna a internet se torna, mais as coisas que eram valorizadas antigamente ganham importância: o bom senso, o respeito pelas pessoas que são diferentes de nós e os valores básicos relacionados ao que é certo e errado. Essas coisas você não pode baixar online. Elas têm de ser “carregadas” à moda antiga pelos pais na hora do jantar, por professores afetuosos mas exigentes nas escolas e por líderes espirituais responsáveis nas igrejas, nas sinagogas, nos templos ou nas mesquitas. Em algum lugar e de alguma forma isso não aconteceu ou deixou de acontecer com os irmãos Tsarnaev.