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A autofagia da extrema direita e o fogo contra Marçal

A candidatura de Pablo Marçal (PRTB) a prefeito de São Paulo é o mais novo lance da história autofágica da extrema direita no Brasil.

O processo começou em 2016, com João Doria incorporando, com sucesso, o figurino do anti-político e priorizando a comunicação digital com o eleitorado via celular.

Em apenas dois anos, foi engolido por Jair Bolsonaro, que, eleito presidente, logo tratou de antagonizar Doria. Bolsonaro dominou as redes sociais para se comunicar com o público e monopolizar o eleitorado de direita por seis anos.

Agora é a vez de Marçal canibalizar o eleitorado bolsonarista. Não apenas ele aperfeiçoou o método para manipular os algoritmos das redes em seu favor, como subverteu os paradigmas da campanha eleitoral tradicional:

  • Não propôs nada, apenas atacou os adversários, e, mesmo assim, monopolizou a atenção nos debates.
  • Praticamente ignorou a comunicação via propaganda no horário eleitoral de rádio e televisão.
  • Teve suas contas nas redes suspensas pela Justiça eleitoral e, mesmo assim, ainda supera Bolsonaro em engajamento no WhatsApp, Telegram, rádio, televisão, e quase se equipara no YouTube e no TikTok (segundo a consultoria Palver).

Doria se afastou da política e provocou a implosão do PSDB. O partido perdeu o governo de São Paulo para um bolsonarista que jamais disputara eleições e definhou em número de prefeitos. Marçal também aproveitou parte do espólio de Doria e dos tucanos:

  • O candidato do minúsculo PRTB absorveu em sua campanha alguns quadros de Doria, a começar pelo braço-direito do tucano, Wilson Pedroso. Pedroso desempenha funções similares, de organização, para Marçal.
  • O advogado de campanha, Paulo Hamilton Siqueira Jr., é de um escritório parceiro do de Anderson Pomini, que foi homem forte de Doria antes de romper com o ex-governador.
  • Há ainda Filipe Sabará, que foi secretário de Doria e pivô do escândalo da farinata na merenda escolar, e agora se autodeclara marqueteiro de Marçal.

Mas, sobretudo, o que mais se parece com Doria no estilo de Marçal é o discurso de empresário bem-sucedido que vai replicar o modelo dos negócios na esfera pública e levar prosperidade à população.

Apesar das semelhanças, Marçal afasta a associação com Doria. Faz parte do processo autofágico se apropriar do que sobrou, mas se vender como uma novidade. E Marçal tem algo de novo, de fato.

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Para ele, quanto pior melhor. Juridicamente, a campanha tenta recuperar as contas do candidato nas redes sociais (suspensas pela Justiça por gerar desequilíbrio entre os demais oponentes). Mas, na opinião pública, quanto mais o candidato puder se dizer vítima, melhor. Ser "barrado" pelo sistema é tudo o que ele quer.

A campanha identificou que Marçal cresce sob ataque. Ele chama a atenção com polêmicas e, ao fazer isso, atrai eleitores propensos a votar em nomes disruptivos.

Por isso, o entorno de Marçal chama a suspensão das contas de censura e canta vitória (antes da hora) por conta disso.

O bolsonarismo tenta encontrar um rumo em meio ao caos após o advento de Marçal. Dois filhos de Jair Bolsonaro - Carlos e Eduardo - atacaram o rival nas redes, mas durou pouco. Ao ver que a agressividade não surtia efeito, Carlos, o zero-dois, anunciou apoio a Marçal, caso ele chegue ao segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL). Não satisfeito, fez o governador Tarcísio de Freitas voltar atrás em sua proposta de voto nulo e dizer que, nesse cenário eleitoral, votaria em Marçal - mesmo falando muito mal do rival quando não está em público.

Os recuos dos bolsonaristas têm explicação. Aliados de Bolsonaro temem que, se atacarem demais o candidato, uma eventual vitória sua em São Paulo seria percebida como uma derrota dupla para o ex-presidente. Não só não conseguiria fazer seu candidato, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), chegar ao segundo turno, como veria um desafeto vitorioso.

O dilema de Bolsonaro não está só em São Paulo. Marçal tem pretensões nacionais. Quer ser presidente. No entorno bolsonarista, avalia-se que o candidato só sai do páreo presidencial em 2026 se perder a disputa pela prefeitura paulistana - algo que não é provável, segundo eles. A outra hipótese é Marçal ser cassado e se tornar inelegível. Mas essa é uma aposta que os bolsonaristas não podem assumir publicamente.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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