28 milhões de brasileiros apostam o almoço para perder o jantar
É um mercado que movimenta mais de R$ 10 bilhões todo mês. É uma aposta em que a banca sempre ganha, e a maioria sempre perde. Assim funciona o mercado emergente das bets esportivas, dos cassinos, bingos e jogo do bicho online.
Após seis anos de vale-tudo, ele está sendo regulamentado pelo governo. Pela primeira vez, uma pesquisa face a face estima quantas pessoas fazem parte da jogatina.
Cerca de 28 milhões de brasileiros admitiram ao Ipec (antigo Ibope) já terem jogado online a dinheiro alguma vez na vida. É mais do que a população de Minas Gerais.
A informação exclusiva está no episódio desta semana do podcast A Hora, do UOL.
Desses, 28 milhões, cerca de metade (13 milhões) é de jogadores regulares, que dizem ter jogado no último mês. Em média, eles apostam duas vezes por semana.
A maioria absoluta admite ter perdido mais do que ganhado: 54% nas apostas esportivas (só um em cada quatro diz ter ganhado) e 57% nos cassinos/bicho/bingo.
O mercado funciona como um aspirador que suga semanalmente bilhões de reais de milhões de pessoas para concentrar esse dinheiro na mão de alguns poucos milhares de donos da banca e de uma parcela de "sortudos" que vão ganhar num dia para perder no outro. O jogo online é um gigantesco mecanismo de concentração de renda, mas não só.
Desregulamentado ao longo de todo o governo Bolsonaro, é o paraíso do crime organizado: paraíso fiscal, onde muitas dessas empresas têm suas sedes; e paraíso criminal, porque o jogo do bicho, por exemplo, lava o dinheiro sujo por meio de apostas falsas e mulas da jogatina das apostas online.
Uma investigação recente da polícia civil de Pernambuco levou à prisão a advogada influenciadora Deolane Bezerra e a mãe dela.
E como os jogadores definem o jogo a dinheiro online? Três em cada quatro definem como algo negativo ou errado: "perder dinheiro" (18%), ficar viciado (13%), não é confiável (18%), é ilegal (11%), gera compulsão (6%), deveria ser proibido (11%), segundo o Ipec.
Metade (49%) dos jogadores concorda que é um vício; três em cada 10 (28%) gostariam de parar de jogar e não conseguem. Metade concorda que, quando perde, joga de novo para recuperar o dinheiro.
Não por acaso, 12% precisaram pedir dinheiro emprestado para cobrir dívidas de aposta. Quase um terço gasta mais de R$ 100 por mês apostando. Mas pelo menos meio milhão de pessoas admite gastar mais de R$ 500 por mês em apostas.
Essa gastança toda tem consequências negativas para o bolso da grande maioria dos apostadores: 55% deles dizem que o dinheiro que gastam com apostas faz falta no fim do mês. Ou seja, 15 milhões de brasileiros estão apostando o almoço para perder o jantar.
Mesmo assim, a grande maioria dos jogadores não tem vergonha de jogar e nem de dizer que joga. Eles são minoria na população, porém.
A grande maioria diz que não jogaria de jeito nenhum: 71% dos brasileiros não jogariam em jogos esportivos e 74% em cassino/bingo.
Entre os que não jogariam estão, principalmente:
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Dois terços são contra os jogos de apostas esportivas online. E três quartos são contra cassino/bingo/bicho online.
A primeira lei liberando a atividade no Brasil foi sancionada em 2018 no governo Temer. Era um projeto que autorizava apostas esportivas e exigia regulamentação. Mas Jair Bolsonaro assume e não faz a regulamentação, que é de competência do Poder Executivo.
As casas de apostas proliferaram sem controle.
O governo Lula editou uma medida provisória em 2023 que o Congresso não validou, mas aprovou uma nova lei, agora liberando não apenas apostas esportivas, como também jogos online.
O Ministério da Fazenda editou uma série de portarias estabelecendo regras e condições para a operação do setor. Para uma empresa do ramo funcionar legalmente no Brasil agora precisará pagar uma taxa de outorga de R$ 30 milhões, válida por cinco anos. Haverá maior controle sobre a empresa e também sobre o apostador.
Na avaliação do secretário de prêmios e apostas do ministério, Regis Dudena, o processo de regulamentação deixou evidente a existência de dois grupos que atuam no ramo. "O das empresas, sobretudo internacionais que querem entrar no Brasil cumprindo a lei e as regras. E grupos oportunistas que se utilizam das apostas para cometer fraudes e explorar apostadores de maneira descontrolada e no limite cometer crimes."
O ministério recebeu 108 pedidos de autorização que só por tomarem a iniciativa já demonstram boa-fé, diz Dudena. Os que foram efetivamente autorizados, a partir de 2025, terão que usar o domínio Bet.BR na internet e pagarão tributos e impostos.
A arrecadação que o setor pode trazer ainda não foi estimada, segundo Dudena. O secretário diz que o volume de dinheiro que circula entre apostas e jogos online está na casa de dezenas de bilhões por ano. As estimativas variam entre R$ 15 bilhões e R$ 150 bilhões, a depender dos critérios usados.
Mas uma coisa é certa. "A banca sempre ganha", como diz o jargão. E o apostador no fim do dia perde.
Escute a íntegra do podcast A Hora
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube.
Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados de manhã.
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