Gusttavo Lima e mais: cantores, bets e centrão têm interesses convergentes
O que a Operação Integration, que apura crime de lavagem de dinheiro e ganhou os holofotes com o pedido de prisão do cantor sertanejo Gusttavo Lima, tem a ver com as bets, como são chamados os jogos de aposta online, e a Câmara dos Deputados?
Gusttavo Lima, um dos sertanejos mais famosos do Brasil, teve a prisão decretada e revogada em menos de uma semana, período que o cantor nem estava em solo brasileiro. A suspeita é de que Gusttavo Lima tenha relação estreita com empresários envolvidos em jogos de apostas online. Há indícios, segundo a juíza que decretou a prisão, de que o cantor não seria apenas garoto propaganda da Vai de Bet, uma das casas de apostas investigadas, mas também teria participação societária na empresa.
O dono da Vai de Bet, José da Rocha Neto, e a esposa estavam na Grécia para comemorar o aniversário do sertanejo quando foi deflagrada a operação.
Além da carreira musical, Gusttavo Lima também atua no setor de agropecuária, com várias fazendas e criação de gado, assim como o também sertanejo Wesley Safadão e Bell Marques, cantor baiano e ex-vocalista da banda de axé Chiclete com Banana. Todos são amigos da turma do presidente da Câmara, Arthur Lira. Wesley Safadão, por exemplo, fez um leilão de cavalos. Lira arrematou um animal por R$ 200 mil.
Prefeituras aliadas ao presidente da Câmara contratam shows desses artistas com cachês muitas vezes desproporcionais ao orçamento municipal. O prefeito João Henrique Caldas, de Maceió, por exemplo, contratou o Gustavo Lima por quase R$ 1 milhão e o Wesley Safadão por R$ 700 mil para se apresentarem no São João deste ano. Outras cidades menores também pagaram cachês altíssimos aos cantores às custas dos cofres públicos.
Voltando às casas de apostas, que pagam muito bem aos cantores para servirem de garotos propaganda, é importante lembrar que os deputados que trabalharam para viabilizar o projeto de lei que acabou legalizando as apostas foi sancionado, em 2018, pelo ex-presidente Michel Temer e passou sem nenhuma regulamentação no governo Bolsonaro.
Em 2021, a Câmara dos Deputados, em meio à pandemia de covid, apresentou um projeto que criava o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) para salvar empresas de eventos durante a pandemia, com descontos de 70% das dívidas, prazo de 12 anos para quitar o restante e outros benefícios, além da possibilidade de indenizar as empresas que tivessem perdido mais da metade do faturamento em 2020.
Não incide sobre o cantor, como profissional, esse tipo de programa, mas apenas sobre empresas que viabilizam os shows. A questão curiosa é que alguns cantores também são os donos das empresas, caso de Gustavo Lima.
Em 2023, o governo Lula assume e, no final do primeiro ano de mandato, o Ministério da Fazenda faz as contas e percebe que o governo deixou de arrecadar, devido ao Perse, R$ 17 bilhões. "Ou seja, nós, que pagamos impostos no Brasil, estávamos subsidiando um setor que não tinha nenhum motivo para continuar sendo beneficiado e tendo privilégios", comentou José Roberto Toledo no podcast A Hora.
Desde então, o Ministério da Fazenda vem fazendo alertas internos sobre indícios de lavagem de dinheiro com o Perse, e a resposta de Lira, em discurso, foi de que o projeto era uma conquista e tinha que ser mantido. Depois de muita negociação, foi aprovada em maio uma nova legislação que diminui o escopo das empresas beneficiadas pelo programa, mas mantém alguns benefícios às empresas do setor de eventos.
"Os interesses dos deputados, destes músicos e os das casas de apostas estão totalmente interligados, convergentes e, muitas vezes, apontando para a mesma direção. Inacreditável! Só que o custo disso é altíssimo para a sociedade brasileira", criticou Toledo.
Escute a íntegra do podcast A Hora
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube.
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