A Hora

A Hora

Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Novo Código Civil propõe mais direitos para os mortos

A proposta de reforma do Código Civil Brasileiro, que começou a tramitar no Congresso Nacional, traz importantes inovações no chamado "direito dos mortos", ampliando a autonomia das pessoas mesmo após o falecimento.

O texto, elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, e apresentado pelo ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, busca atualizar a legislação atual, considerada defasada.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

"Embora tenha sido aprovado em 2002, o Código Civil começou a ser elaborado em 1969", explica Thais Bilenky, destacando o argumento da comissão para justificar a atualização. Segundo ela, o texto "simplesmente põe no papel o que os tribunais e as varas já estão aplicando".

Uma das principais mudanças diz respeito à doação de órgãos. "Se o texto for aprovado como está, uma pessoa que tiver registrado a autorização para doação de seus órgãos após a morte terá essa vontade respeitada, independentemente da opinião da família", destaca a colunista.

Atualmente, mesmo que a pessoa tenha manifestado o desejo de ser doadora, se a família se opuser, prevalece a decisão dos familiares. "Morto fala e tem que ser obedecido", resume José Roberto de Toledo sobre a nova proposta. Segundo Bilenky, o ministro Salomão argumenta que "a taxa de transplantes que deixa de ser feita justamente porque a família não concorda com a vontade do falecido é bastante alta", o que acaba sendo um empecilho para os transplantes no país.

Outra inovação importante refere-se à recusa de tratamento médico. O projeto prevê que, se um paciente estiver plenamente ciente dos riscos e condições de um tratamento ou da sua recusa, e for livre para decidir, a decisão final caberá a ele, não aos médicos. "Ele precisa estar consciente e plenamente informado. Ele precisa ter todas as informações, os riscos", explica Bilenky. Essa proposta foi inspirada em um julgamento do Supremo Tribunal Federal que deu o direito para o paciente recusar uma terapia por não querer. Pela proposta, o paciente poderá recusar internação hospitalar, exames, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, desde que esteja plenamente capaz de tomar essa decisão.

Toledo observa que a mesma lógica se aplica para situações futuras: "Vamos supor que ele entre em coma, por exemplo, se ele tomar uma decisão que ele mesmo assim não quer, tem que prevalecer a posição do paciente".

Segundo Bilenky, o ministro Salomão afirma que "essas colocações abrem espaço para uma discussão sobre a eutanásia", tema delicado que provavelmente enfrentará resistência no Congresso. "O Congresso tem uma composição bastante diferente em relação à própria comissão. O Congresso é bastante conservador. E aí as bancadas religiosas vão ter um peso grande nessa decisão", explica a colunista do UOL.

Continua após a publicidade

O projeto também propõe a criação de um livro de direito digital para regulamentar o universo da internet, incluindo questões como o uso de imagem e voz de pessoas falecidas com inteligência artificial. A colunista cita o caso polêmico da propaganda da Volkswagen que usou deepfake para recriar a imagem e voz da cantora Elis Regina cantando com sua filha, Maria Rita.

Pela proposta, esse tipo de uso seria permitido se "a pessoa retratada deixar autorizado que isso seja feito, ou se os seus herdeiros diretos, cônjuges de filhos, autorizarem", explica a jornalista, acrescentando que seria necessário respeitar algumas balizas, como não distorcer as posições que a pessoa defendia em vida.

Toledo questiona se o inverso também seria possível: "Eu posso deixar por escrito dito que eu não quero que usem a minha imagem depois de morto ou a minha voz?", ao que Bilenky responde afirmativamente. A colunista ressalta o desafio de regular esse tema para pessoas que já faleceram antes da era da inteligência artificial. "Até anteontem não tinha inteligência artificial para criar nada. Então tem toda geração que já morreu submetida a isso", destaca.

De acordo com Bilenky, Rodrigo Pacheco, está muito otimista quanto à aprovação do projeto, afirmando que o texto proposto pela comissão de juristas sofrerá poucas alterações no Senado. "A tendência, segundo ele, é que passe sem grandes aventuras e emoções", afirmou. Se aprovado no Senado, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados, podendo se tornar lei ainda este ano.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

Continua após a publicidade

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

10 comentários

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.


Marcio Messias Pina

Já o direito dos vivos é pagar mais e mais impostos e ter serviços  públicos ruins. Tudo pra financiar as "cortes republicanas" dos 3 poderes com seus salários bem gordos. Lei inspirada em julgamento do STF... Da última vez que lí, no conceito básico de república, quem cria leis (e a inspiração delas) vem do executivo.

Denunciar

Nelson Ricardo Laurenciano Cardoso

O código Civil atual é de 2002. Existem novas necessidades como descrito na matéria, não tem como falar que isso não existe. Mas uma simples atualização de leis já seria suficiente, não tem real necessidade de um novo código civil. Isso parece até uma cortina de fumaça. Que tal se nossos políticos atualizassem o Código Penal que é de 1940 ???? Por mais que ele receba algumas atualizações aqui e ali, o Código Penal realmente não está atualizado com o que estamos vivendo no pais. Em 1940 não existiam facções criminosas que estão infiltradas em todos os níveis da sociedade, assaltos que sitiam uma cidade toda, atos terroristas que são tratados como crimes comuns. Penas brandas para crimes graves e não estou alando de instituir pena de morte. Estou falando de alguém que é condenado por crimes hediondos, realmente cumprir a pena toda em regime fechado. Penas longas para crimes graves e cumprimento da pena. Isso que precisa mudar e não o código civil.

Denunciar

Gilberto Leopoldino

Para vivermos em paz, jurídica inclusive, deveríamos dividir o Brasil em dois: o dos evangélicos e o de nós outros.

Denunciar