Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O manejo inadequado de ações civis públicas e o ataque a direitos políticos
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Nas atípicas eleições de 2020, dentre os desafios enfrentados pela classe política, certamente o que mais chamou atenção foram as restrições em matéria de propaganda eleitoral, tudo por força do necessário combate à pandemia do COVID19.
Os Tribunais Regionais Eleitorais, em sua maioria, editaram resoluções impondo restrições com o afã de diminuir e evitar aglomerações. Medidas que mereceram todos os elogios.
E no legítimo afã de proteger vidas, testemunhamos o Ministério Público ingressando com Ações Civis Públicas buscando a responsabilização de candidatos(as) por supostos danos coletivos em decorrência de atos típicos de campanha que ocasionassem aglomerações de pessoas.
Ações dessa natureza exigem a demonstração de quais os danos causados, justificando de forma cristalina a lesão ao direito coletivo, com a consequente repercussão na esfera da saúde pública, demonstrando ainda que o dito evento de campanha política tenha sim, no mínimo, sido realizado em arrepio as regras sanitárias vigentes, sem contar na necessária demonstração de conduta dolosa do(a) candidato(a) e a sua consequente responsabilidade direta pelo eventual desrespeito às restrições sanitárias, além da demonstração do prejuízo ao patrimônio público ou a repercussão direta e negativa na sociedade, ou seja, um arcabouço probatório robusto.
Nessa perspectiva, pedidos dessa natureza devem guardar coerência com os fatos e mais ainda, devem apresentar o nexo de causalidade entre a atividade política e sua relação aos danos capazes de, por si só, implicarem no atingimento de direitos individuais homogêneos ou coletivos (STJ - REsp: 1502967 RS 2014/0303402-4).
Outra exigência são os requisitos legais referentes à obrigação de indenizar, e nenhum ato de campanha, pode, por si só, servir de demonstração de ofensa ao sentimento coletivo, caracterizando danos aos interesses extrapatrimoniais.
Embora o caráter preventivo seja um dos objetivos dessas ações, a transgressão há de ser significativa a ponto de ultrapassar os limites da tolerabilidade, trazendo verdadeira intranquilidade social e relevantes sofrimentos de ordem coletiva.
Além disso, remanesce outra discussão, qual seja, da incompetência da justiça comum para análise e controle do exercício de atos típicos de campanha, protegidos como direitos políticos.
Admitir a procedência de ACP contra atos de campanha eleitoral é tolher o livre exercício dos direitos políticos.
Segundo ensinamento de José Jairo Gomes, "Direito eleitoral é o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos regularizados dos direitos políticos. Normatiza o exercício do sufrágio com vistas à concretização da soberania popular", razão por que entendemos ser de competência da Jurisdição Eleitoral o processamento de todas as causas que advenham das diversas fases do processo eleitoral, em especial dos atos de campanha.
Além disso, ressalte-se que o marco temporal não é o elemento que determina a competência da Justiça Eleitoral, deve-se analisar o caso e julgar se esse fato diz respeito às eleições ou não.
Assim, seja por conta da impossibilidade do manejo das ACP em razão da matéria, seja por conta da incompetência da Justiça Comum, remanesce ainda a violação direta ao princípio do promotor natural.
O debate proposto está longe de mitigar o quanto merece defesa o direito à saúde e conforme bem assinalado pelo Supremo Tribunal Federal, sabemos que o "direito à saúde [...] representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional".
Bem assim, somos defensores intransigentes do direito à vida, que por sua vez, configura o bem mais importante do ordenamento jurídico. Indisponível, constitui pressuposto elementar de todos os outros direitos e liberdades disposto na Constituição, abrangendo a integridade física e psíquica e afirmando-se como "o primeiro direito, o mais fundamental de todos, o prius de todos os demais", posto que sem ele a teleologia da dignidade da pessoa humana toma contornos monumentalmente restritos.
De mesmo modo, defendemos de forma intransigente a não criminalização de atos legítimos de campanha. E temos mais argumentos, dentre eles o princípio da anualidade insculpido no art. 16 da CF, bem assim, mesmo a alteração substancial da jurisprudência em pleno ano eleitoral não encontra abrigo no STF, onde restou fixado em sede de repercussão geral o seguinte entendimento, com fundamento no art. 16 da Constituição Federal (637485/RJ RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Min. GILMAR MENDES).
Assim sendo, em que pese podermos festejar o início de novo ciclo eleitoral sem as amarras e restrições sanitárias vividas em 2020, o fato é que remanescem Ações Civis Públicas, ao nosso ver, sem que tenha existido ataque a qualquer direito homogêneo individual ou coletivo em sentido estrito apto a configurar dano moral coletivo. Frise-se que sem a robusta e efetiva demonstração de infração às regras sanitárias, e mais, sem prova evidente de lesões injustas a valores fundamentais da sociedade, atos públicos e presenciais de campanha política não merecem sofrer qualquer tipo de censura, tolhimento ou, pior, serem criminalizados ou julgados fora dos contornos da legislação e justiça eleitoral.
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