Amanda Cotrim

Amanda Cotrim

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Eleições na Venezuela: 'Diga ao Brasil que não aguentamos mais o Maduro'

Os venezuelanos se preparam para a eleição presidencial mais importante dos últimos dez anos. Neste domingo (28), o país escolherá seu novo presidente, em uma eleição de turno único, na qual vencerá o candidato com mais votos.

A poucos dias do pleito, o clima na capital Caracas é considerado "mais tranquilo" em relação a eleições anteriores, sem multidões partidárias nas ruas. Mas se engana quem pensa que a população está apática. Mesmo o voto sendo facultativo, os venezuelanos em Caracas relatam engajamento, mas também muita incerteza.

Nicolás Maduro busca mais um mandato na Venezuela
Nicolás Maduro busca mais um mandato na Venezuela Imagem: Amanda Cotrim/UOL

O venezuelano Julio Urribarri definiu a atmosfera em Caracas como uma "tensa calma": "Estou sentindo uma tensa calma. Vejo uma situação aparentemente normal, o que, no fundo, esconde graves dificuldades". As dificuldades a que Urribarri se refere dizem respeito às declarações de Maduro e também da oposição nos últimos dias.

"De um lado, temos Maduro dizendo que haverá um banho de sangue e uma guerra civil no país, caso a oposição vença. De outro, parte da oposição deixa no ar que poderia não reconhecer o resultado das urnas se perder a eleição, alegando fraude eleitoral. Não sabemos o que pode acontecer no domingo, até porque as pesquisas eleitorais apontam resultados muito diferentes, dependendo de quem encomendou a pesquisa", considerou Urribarri.

Incerteza

O taxista Leonel Campos está mais apreensivo e disse que a incerteza ronda a população. "As pessoas nas ruas se perguntam: se ganhar a oposição, o governo de Maduro soltará o poder? Qual será a reação da oposição se Maduro ganhar novamente? Isso é o que nos perguntamos tanto em Caracas como em todo o pais".

No meio da constituição de um discurso de medo sobre o futuro do país, produzido pelas duas candidaturas, estão 21,4 milhões de venezuelanos aptos a votar neste domingo, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Deste total, 600 mil eleitores têm entre 18 e 23 anos e votarão pela primeira vez.

Continua após a publicidade
Juan Garra é um apoiador apaixonado de Nicolás Maduro
Juan Garra é um apoiador apaixonado de Nicolás Maduro Imagem: Amanda Cotrim/UOL

Juan Garra é um apoiador apaixonado de Maduro. Para ele, o líder chavista é quem ganhará. "Temos que ser realistas. Eu apoio Maduro. Mas se ganha a oposição, que assim seja. Não acredito que ganhe", disse o vendedor, que expunha roupas na praça pra vender enquanto conversou com a reportagem. "Dizem que aqui é uma ditadura. Mas tem campanha, tem eleição. Tem jogo político. Onde está a ditadura?"

A poucos metros da Igreja Coração de Jesus, onde Maduro encerrou a campanha, uma comerciante fez questão de dizer que está com sua loja num reduto chavista, mas que ela vai votar na oposição. "Por favor, diga ao Brasil que não aguentamos mais. Corina precisa vencer", disse a moça, que se identificou como Jaqueline e não quis posar para foto. Ela perguntou de Lula e lembrou que até ele, aliado de Maduro em outros momentos históricos, pediu para o presidente ponderar as palavras e não assustar a população com banho de sangue. "Eu não sou pró-Lula porque não sou de esquerda. Mas foi importante a fala dele porque divide os que são políticos democratas e os que não sãos. E Maduro não é".

Caracas, na Venezuela, em clima de eleição presidencial
Caracas, na Venezuela, em clima de eleição presidencial Imagem: Amanda Cotrim/UOL

Continua após a publicidade

Discurso do medo

Juan Carlos Alvarado, Secretário do Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente), um dos partidos mais antigos da Venezuela, pediu que os venezuelanos não caiam na armadilha do discurso do medo e que saiam de casa para votar, já que no país o voto é facultativo. "É a única via [o voto] para resolver nossas diferenças. Espero que na segunda-feira, depois do resultado das urnas, todos os setores possam sentar e dialogar, para a reconstrução da Venezuela".

Para garantir que as eleições sejam transparentes e que se respeite a vontade da maioria, ao menos 635 observadores estrangeiros registrados estão na Venezuela para acompanhar o pleito no país, segundo informou o ministro de Relações Exteriores, Yvan Gil. Entre eles, um grupo de quatro especialistas eleitorais da ONU (Organizações das Nações Unidas) está em Caracas. O Brasil enviou o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, que também vão acompanhar o pleito no país vizinho.

Economia melhor e desejo de mudança

Em 2019, a hiperinflação de 9.500% sacrificava a população. Apagões e falta de água eram regra. Naquele ano, por causa do sucateamento do metrô na capital, sem poder imprimir bilhetes e pagar funcionários, o governo chegou a liberar a catraca em vários momentos. Em 2017, a falta de insumos de saúde, a escassez de alimentos e uma gravíssima crise social levaram milhões de venezuelanos a migrarem em busca de melhores condições de vida. Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) apontam que mais de 7 milhões de venezuelanos deixaram o país de origem nos últimos anos.

Polícia reforça a segurança para as eleições na Venezuela
Polícia reforça a segurança para as eleições na Venezuela Imagem: Amanda Cotrim/UOL
Continua após a publicidade

Desde 2021, contudo, a Venezuela vem registrando melhora na economia, sem variações mensais acima de 50%. De acordo com o Banco Central da Venezuela, a inflação anual em 2023 fechou em 189,8%, abaixo da inflação da Argentina, que acumulou 211,4%.

A melhora na economia dos últimos três anos é um dos argumentos do estudante Luis Falcon para votar em Maduro: "Já não estamos como em 2019. Melhorou bastante a situação. Desde a pandemia, o governo flexibilizou a economia, permitiu a criação de empreendimentos e tem se aproximado dos EUA por causa do petróleo. A economia está mais estável. E como dizem, em time que está ganhando não se mexe", afirmou o estudante.

O jovem ressaltou não ter conhecido outra Venezuela que não a chavista. "Não sei se a oposição será melhor. Eu só conheci uma Venezuela", contextualizou, referindo-se ao governo de Hugo Chávez (1999-2012) e Nicolás Maduro, que assumiu após a morte de Chávez e está no poder desde então.

Em Caracas, uma apoiadora de Maria Corina Machado, que preferiu não se identificar, disse ao UOL que "está contando os dias" para as eleições e que está trabalhando incansavelmente para conscientizar a população e fortalecer a oposição, que disse acreditar ser a única capaz de melhorar a vida dos venezuelanos, com mais autonomia e liberdade. "Todas as expectativas estão nessas eleições. Meu maior desejo é que tudo flua bem, sem violência e que não haja intimidação por parte do governo. Estamos confiantes que neste dia 28 de julho viveremos uma mudança. Estamos convencidos de que somos a maioria", afirmou.

Dez candidatos, duas opções

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela Imagem: JUAN BARRETO/AFP
Continua após a publicidade

O prazo para a campanha oficial na Venezuela terminou nesta quinta-feira (26). Apesar de o país ter dez candidatos que concorrem nessa eleição, o pleito está dividido entre o presidente Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela), que tenta reeleição (ele está no poder desde 2013, com a morte de Chaves, e venceu as eleições em 2018) e o diplomata Edmundo Gonzales (Plataforma Unidade Democrática), que representa Maria Corina Machado, uma das caras mais conhecidas do anti-chavismo.

Apesar de ter vencido as primárias da oposição, Corina não disputará as eleições. Em 2023, ela foi inabilitada pela Controladoria Geral da República a ocupar cargos públicos por 15 anos.

Edmundo Gonzalez Urrutia se tornou o candidato opositor a Maduro na Venezuela após Maria Corina Machado ter sido impedida de concorrer ao pleito
Edmundo Gonzalez Urrutia se tornou o candidato opositor a Maduro na Venezuela após Maria Corina Machado ter sido impedida de concorrer ao pleito Imagem: GABRIELA ORAA/AFP

Em 2015, Corina Machado foi considerada inelegível por um ano, por supostas inconsistências e ocultações de ativos na declaração de bens que deveria ter apresentado à Controladoria Geral da República no período em que foi deputada na Assembleia Nacional (2011-2014).

Continua após a publicidade

Ela perdeu o seu mandato de deputada em 2014 por ter aceitado um cargo de embaixadora do governo do Panamá na OEA (Organização dos Estados Americanos) para denunciar suposta violência cometida pelo governo venezuelano. Na época, o país vivia uma onda de protestos violentos de opositores, que ficou conhecida como "guarimbas", que consistia em manifestações contra o resultado das eleições de 2013 e que pediam a saída de Maduro. Dezenas de pessoas morreram durante os protestos.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes