Amanda Cotrim

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Reportagem

Venezuela conta as horas para eleição histórica que pode derrubar Maduro

Os venezuelanos contam as horas para as eleições deste domingo, quando vão eleger seu novo presidente. O dia 28 coincide com o aniversário do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), quando 21 milhões de venezuelanos aptos a votarem, segundo o Centro Nacional Eleitoral (CNE), vão às urnas. Apesar das divergências nas pesquisas eleitorais, é a primeira vez em mais de 10 anos que a oposição apresenta chances reais de vitória, e de encerrar um ciclo de 25 anos de chavismo no país (1999 a 2024).

Durante o encerramento da campanha, na quinta (25), Nicolás Maduro enalteceu o que chamou de "legado de Chávez" e chamou o ex-presidente de "comandante". "Tudo que eu sou, que sonhei, tudo o que fizemos foi por seu legado. Tudo por você, comandante infinito, Hugo Chávez. Que sejamos sua voz", destacou Maduro, argumentando que assumiu o país em uma crise profunda, com hiperinflação e sanções econômicas dos EUA.

A fome e o sucateamento de serviços básicos levaram o país a viver um êxodo migratório, que, segundo a ONU (Organizações das Nações Unidas), levou mais de 7 milhões de venezuelanos a irem embora do país em busca de uma vida melhor nos últimos dez anos. "Enfrentamos um bloqueio econômico e o povo está de pé, vitorioso, pronto para o próximo domingo", exaltou o chavista.

"Quero virar a página e vou votar na oposição"

O país tem vivido mobilizações a favor e contra o atual presidente. Num ato pró-Maduro na capital Caracas, a reportagem conversou com duas funcionárias públicas, que não quiseram gravar entrevista. Disseram que vão às mobilizações do governo, porém, não votarão em Maduro e querem "virar a página" no domingo: "Eu estou aqui (no encerramento de campanha de Maduro), mas não vou votar em Maduro. Vou votar na oposição". Questionada sobre a razão de estar na manifestação, ela respondeu que "somos funcionários públicos, temos que estar".

Sua amiga, que também não quis gravar, disse que não teme por seu emprego se o diplomata Edmundo González, do partido Plataforma Democrática Unitária, vencer: "Não vai mudar nada. Dizem que vamos perder nossos empregos públicos, mas eu não acredito. Vai ficar igual", disse ela, confiante de que não haverá privatizações num possível governo de González.

À frente nas pesquisas, o diplomata é o candidato da maior opositora chavista Maria Corina Machado, que teve cada vez mais apoio popular à medida que o país foi afundando em crise. Corina foi impedida de se candidatar após decisão da Controladoria Geral no ano passado.

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Imagem: Amanda Cotrim

A alegação para tirar seus direitos era sua participação como "embaixadora alternativa" de uma reunião na OEA (Organização dos Estados Americanos) em 2015 para denunciar violações de direitos humanos no seu país. A inelegibilidade foi confirmada este ano pela Suprema Corte, que reúne ministros pró-Maduro e ratificam todas as suas decisões políticas, inclusive as que impedem seus adversários de concorrer à Presidência.

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"O governo de Maduro é autoritário. Perdeu apoio político e decidiu se apropriar das instituições para poder governar, com ou sem apoio popular", diz Begnigno Alarcon Deza, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidade Católica Andres Bello.

Para ele, a escolha da data da eleição ser dia 28 de julho foi uma tentativa do governo, que tem perdido cada vez mais força política, de se alinhar à figura de Chávez —aniversariante do dia—, mas que acabou sendo um tiro no pé. "As pessoas estão mais preocupadas com o governo de Maduro e não com o que foi Chávez", completa.

Nas ruas, imagem de Chávez perde força

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Imagem: Amanda Cotrim

Nas ruas de Caracas, a imagem do aniversariante Hugo Chávez, tão presente anos atrás em cartazes, murais, pichações, perdeu espaço para a figura de Nicolás Maduro.

O que as ruas de Caracas revelam não é apenas uma mudança de símbolos, mas do tipo de governo que está sendo desenhado no país, principalmente nos últimos três anos, segundo o cientista político venezuelano Luis Javier.

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"Podemos dizer que há dois setores chavistas na Venezuela. Um que apoia Maduro e outro que não. O primeiro mandato estava atrelado ao projeto chavista. Mas no segundo mandato Maduro já mostrou uma mudança, criando sua marca pessoal", explica Javier.

"Ele se alinhou a setores empresariais que nunca se alinharam a Chávez. E essa aproximação se deve à complexidade econômica e política que seu governo enfrentou e precisou realizar alianças", completa.

A aproximação do governo de Maduro com a iniciativa privada ajuda a explicar a mudança no país nos últimos três anos, apontou Javier, inclusive com a flexibilização de algumas sanções dos EUA ao setor petroleiro.

O país com quem Chávez sempre rivalizou voltou a comprar matéria-prima da Venezuela. O cientista político também citou a criação do Conselho Nacional de Economia Produtiva, que reuniu diversos empresários venezuelanos em diálogo com o governo Maduro.

Se, por um lado, houve uma redução da inflação e uma pequena melhora no poder aquisitivo, por outro, a dolarização se instalou no país. Mesmo a moeda oficial sendo o bolívar, atualmente, o dólar americano é utilizado em praticamente qualquer negociação, desde uma corrida em moto-táxi até a compra de uma casa.

Javier pondera que o chavismo segue forte na Venezuela, tornando-se a maior oposição de um possível governo de Edmundo Gonzalez.

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"Tenho certeza que se Maduro perder a eleição, ele vai reconhecer a derrota e entregar o poder, num processo que tem tudo para ser tenso. Se o chavismo se tornar a primeira força de oposição no país, acredito que será uma oposição que vai se contrapor a possíveis privatizações e a um governo neoliberal", avalia o cientista político.

Mesmo forte, o 'chavismo' já teria começado a morrer quando Chávez morreu em março de 2013, entende Bengnigno Alarcon Deza. "Não há ninguém que encarne a liderança dele e seja representativo. E isso foi reduzindo as bases chavistas. Estamos diante de uma virada de página, da possibilidade de entrar em outra era, mais democrática", diz.

Forças militares decisivas

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Imagem: Amanda Cotrim

Desde que Hugo Chávez ascendeu ao poder em 1999, ele impulsionou uma reforma constitucional que deu voto aos militares e um importante poder, com cargos em instituições do Estado, incluindo a indústria petroleira.

Até hoje, o setor militar é fundamental na conjuntura política da Venezuela. Maduro já conclamou os militares durante a campanha eleitoral: "A Força Armada Nacional Bolivariana me apoia, é chavista, é bolivariana, é revolucionária", reforçou o presidente venezuelano, indicando que, sem os militares, é difícil governar.

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"Não se trata apenas de saber se amanhã perderá ou não o chavismo, mas como negociar com as Forças Armadas. Atualmente, os militares estão influenciados pelo pensamento bolivariano, a ideologia de Hugo Chávez, que era militar, e isso pode ter influência na oposição para convencê-los de um apoio", explicou Javier.

Oposição mais confiável

Para o moto-taxista Germano Gonzalez, Maria Corina —e seu representante, Edmundo Gonzáles— é uma oposição que parece ser mais "confiável".

"Antes, não tínhamos muita opção. Tivemos o Juan Guaidó [autodeclarado presidente, e apoiados por diversos governos, como o dos EUA, em 2019], que também não confiávamos. Foi um oportunista. Ou seja, não tínhamos na Venezuela uma opção realmente factível e realista. Agora, sim".

Maria Corina Machado é de família tradicional. É filha de Enrique Macho Zuloaga, um dos maiores empresários do ramo de metal e energia do país, que morreu em 2023. No início dos anos 1990, as empresas da família de Machado cresceram, mas depois que Hugo Chávez se tornou presidente, o mesmo decretou a expropriação de duas filiais da Sivensa, em 2009 e em 2010, e o então presidente nacionalizou a Sidetur, empresa de capital privado, que teve como presidente do Comitê Executivo o pai de Corina.

A oposição fala em risco de fraude eleitoral se perder o pleito, ou "vencer mas não levarem". A desconfiança fez com que as atuais eleições atraíssem ao menos 635 observadores estrangeiros para acompanhar o pleito, incluindo um grupo de quatro especialistas eleitorais da ONU (Organizações das Nações Unidas). Pelo Brasil, está o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim.

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Na Venezuela, o eleitor vota com um sistema de reconhecimento biométrico. Depois, vai até uma urna eletrônica e computa o voto. Esse voto também é impresso e é esse papel que o eleitor deposita em outra urna. Ou seja, o próprio eleitor confere se o que digitou na urna eletrônica confere com o que ele entregará na urna de papel.

Os votos eletrônicos são enviados para uma central. Depois, é verificado se os votos enviados pela urna eletrônica são compatíveis com os depositados em papel.

Na Venezuela, o sistema eleitoral foi elogiado em anos anteriores por órgãos internacionais, como o Centro Carter. No entanto, o governo de Maduro tem restringido a participação popular, burocratiza e reprime a liberdade de expressão, inclusive prendendo opositores.

Maria Corina Machado chegou a dizer que a oposição só perderá a eleição se houver "uma grande fraude". Ela também alega que muitos venezuelanos tiveram seus colégios eleitorais mudados de última hora e que isso dificultaria que eles possam ir às urnas amanhã. O voto na Venezuela é facultativo.

Vinte e cinco anos depois que Chávez ascendeu e construiu seu governo calcado em uma visão socialista, os venezuelanos terão a chance de virar a página. Em 2018, a adesão de votação foi de 46%. Pela primeira vez em mais de dez anos, a população se mostra mais engajada a votar e promete aumentar esse número. "Temos que votar. Vamos todos votar", dizem as pessoas nas ruas da capital. O próximo presidente venezuelano assume o mandato no dia 10 de janeiro de 2025.

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