Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Cancelar atleta racista e bandeirante genocida é só parte da reparação
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O ginasta Arthur Nory atribui seu mau desempenho na Olimpíada de Tóquio à pressão das redes sociais. O atleta admitiu o impacto das fortes críticas que ainda recebe pelo racismo cometido contra o ex-companheiro de equipe, o também ginasta Ângelo Assumpção, em 2015.
Espantoso mesmo é que alguém possa comparar uma pessoa negra a um saco de lixo sem que seja punido. E ainda minimize a reação da vítima e de uma sociedade que não tolera mais atitudes como esta.
Nory, que manteve sua carreira, treinos e participações em importantes competições, estava contando com o esquecimento e com a torcida dos brasileiros. Quem sabe até homenagens.
Por sua vez, Ângelo Assumpção é alvo de denúncia —não menos grave— pelo também ginasta e ex-colega Gabriel Alves, 17. Ele acusa Ângelo de humilhá-lo durante anos com comentários homofóbicos quando os dois treinavam no Esporte Clube Pinheiros, de São Paulo.
Gabriel disse que sentiu necessidade de expor o caso após acompanhar as críticas a Nory, que voltaram à tona. "Percebi que o Nory estava sendo acusado de várias coisas. Sou contra racismo e contra homofobia, mas isso me trouxe gatilhos de coisas que eu já sofri. Me fez lembrar do que eu já passei, pela mesma pessoa, e isso me deixava mal."
Só derrubar monumentos não resolve
O incêndio ocorrido no sábado (24) em São Paulo, da estátua do bandeirante Borba Gato, um dos símbolos do genocídio das populações indígenas no Brasil, prova que não há mais espaço para tolerância aos racistas, nem os do presente, nem os do passado.
Mas não adianta nada derrubar monumentos que homenageiam escravocratas, se continuar em curso no país o genocídio da população negra e dos povos indígenas.
O Brasil de 2021 dá continuidade ao projeto de extermínio e de escravidão que orientou as crueldades cometidas por figuras agora rejeitadas como Borba Gato. Mesmo reconhecendo os graves crimes cometidos, o problema não se resume a um único personagem.
Ângelo diz que racismo parou sua vida
A queda de Arthur Nory em Tóquio, comemorada por muita gente nas redes sociais, também não é suficiente para reparar os danos que a denúncia do episódio de racismo causou na carreira de Ângelo Assumpção.
Uma da promessas da ginástica brasileira Ângelo Assumpção, 25, continua sem contrato e sem clube para treinar. Em entrevista, o atleta disse que a vida parou, após o caso de racismo.
É o que ocorre com as vítimas, especialmente as que têm a coragem de denunciar, de romper com o pacto de silêncio e de falsa harmonia racial.
Neste sentido, o problema precisa ser compreendido para além de uma ofensa ou discriminação de cunho pessoal. O racismo é estrutural e a resposta precisa ser dada por toda a sociedade.
O reconhecimento e pedido de desculpas por parte de Nory são importantes, mas muito pouco.
Clubes, patrocinadores, entidades e federações esportivas, imprensa especializada, órgãos públicos de incentivo ao esporte, todos devem responder por que Ângelo Assumpção foi o único prejudicado.
O Brasil precisa assumir os danos do racismo institucional, reparar as vítimas e criar mecanismo para impedir que essa prática continue interditando trajetórias.
Cancelar racistas nas redes sociais e derrubar monumentos de genocidas são apenas partes de uma necessária e urgente reparação histórica.
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