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Apoiado por Taís Araújo, projeto quer mais mulheres negras na pós-graduação
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Uma das mais efetivas políticas públicas contra o racismo, a Lei de Cotas, sancionada em 2012, completa dez anos de vigência com importantes avanços na promoção da igualdade.
A lei prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas. Desse total reservado, metade é voltado à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita e também para negros e indígenas (cota racial) e para pessoas com deficiência.
A Lei de Cotas possibilitou uma mudança significativa no perfil das universidades públicas, que puderam vivenciar os benefícios da diversidade. Estudantes com origens, conhecimentos e histórias de vida diferentes têm garantido a pluralidade de ideias e de contribuições fundamentais para a universidade.
A formação universitária torna menos injusta a disputa no mercado profissional, ainda estruturado pelo racismo, que barra pessoas pela cor da pele e traços físicos. O diploma em mãos não é garantia, mas abre o leque de oportunidades.
Essa diversidade vista nos bancos das faculdades é ainda pouco percebida no corpo docente, formado majoritariamente por professores e pesquisadores brancos. Uma das razões são as barreiras impostas ao acesso de negros e indígenas nos programas de pós-graduação das universidades públicas.
Para se ter uma ideia, na Universidade Federal da Bahia, estado de maioria negra e feminina, um levantamento realizado em 2020 mostrou que o grupo formado pelos professores que atingiram o topo da carreira de pesquisador —os chamados Bolsistas de Produtividade 1A do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) possui 20 docentes, destes apenas dois são homens negros e duas são mulheres. Não há nenhuma mulher negra neste seleto grupo.
Já destacamos aqui na coluna trajetórias femininas que contrariaram essas estruturas em Histórias de mulheres que desafiaram o machismo e o racismo nas ciências.
Iniciativa quer mais negras mestras e doutoras
Incomodada com a ausência da população negra, em especial, mulheres pretas, nos programas de pós-graduação, a intelectual baiana Carla Akotirene reuniu outras pesquisadoras e criou, em 2016, a iniciativa Opará Saberes.
Tratam-se de ciclos formativos para auxiliar pessoas negras, prioritariamente mulheres, a enfrentarem as seleções para o mestrado e o doutorado em universidades públicas. Para isso, o projeto oferece, de forma totalmente gratuita, suporte político, teórico, metodológico e psicológico, além de se comprometer em acompanhar as candidatas após a aprovação, garantindo a permanência nos cursos.
A terceira edição do projeto será lançado no próximo dia 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha) e já conta com o apoio de personalidades negras de referência como a atriz Taís Araújo, a jornalista Maria Júlia Coutinho e a filosofa Djamila Ribeiro. A iniciativa também contará com a participação de professores e professoras de diversas universidades brasileiras interessados em romper com o racismo que ainda impera nas estruturas da educação.
No edital, que será apresentado no lançamento, estarão os critérios para a participação de candidatas de todo o país, já que a formação terá caráter híbrido, com encontros presenciais e remotos.
Valorização de saberes desprezados pela Academia
A Academia moderna é um projeto colonial, patriarcal, eurocêntrico, narcisístico e eliminatório. A universidade é responsável pela colonialidade do saber decidindo se conquistamos ou não credenciais."
Carla Akotirene, doutora em Estudos Feministas pela Universidade Federal da Bahia
Carla explica que uma das motivações do Opará Saberes é a valorização e instrumentalização dos saberes trazidos por pessoas negras, com epistemologias feministas, afrocêntricas, originárias e decoloniais, contribuições desprezadas pelas universidades.
"A academia empobrece os nossos valores bantus, éticas yorubás e sabedorias indígenas pois o potencial para as revoluções culturais é cooptado pela meritocracia e pela linguagem culta e hegemônica dos parâmetros da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)".
A pesquisadora lembra que o psiquiatra antilhano Frantz Fanon, uma das principais referências dos estudos sobre as sequelas do racismo, chegou a ser reprovado pela banca de doutorado na Universidade de Lyon, e o ativista afro-americano pelos direitos civis, Martin Luther King, foi acusado de não ter escrito a sua própria tese na Universidade de Boston.
O objetivo do Opará Saberes é enfrentar o epistemicídio dos pensamentos negros e garantir o ingresso e permanência de pessoas negras neste espaço de circulação de conhecimentos e de tomada de decisões políticas que são as universidades públicas e seus programas pós-graduação."
Carla Akotirene
O nome do projeto é uma homenagem à deusa Opará, que na religiosidade afro-brasileira é uma das qualidades guerreiras da orixá Oxum, que reina nos rios e cachoeiras. Na filosofia ancestral africana, Opará traduz a força do ímpeto e da sabedoria, ferramentas fundamentais para as pessoas negras que adentram as universidades.
Relembre a entrevista que fizemos com Carla Akotirene, em 2021, quando ela afirmou: 'Não esperam da preta retinta a intelectualidade'.
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