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André Santana

REPORTAGEM

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Apoiado por Taís Araújo, projeto quer mais mulheres negras na pós-graduação

A atriz Taís Araujo é uma das apoiadoras do Opará Saberes, iniciativa que visa incentivar o ingresso de mulheres negras em cursos de pós-graduação  - Globo/Victor Pollak
A atriz Taís Araujo é uma das apoiadoras do Opará Saberes, iniciativa que visa incentivar o ingresso de mulheres negras em cursos de pós-graduação Imagem: Globo/Victor Pollak

Colunista do UOL Notícias

17/07/2022 04h00

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Uma das mais efetivas políticas públicas contra o racismo, a Lei de Cotas, sancionada em 2012, completa dez anos de vigência com importantes avanços na promoção da igualdade.

A lei prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas. Desse total reservado, metade é voltado à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita e também para negros e indígenas (cota racial) e para pessoas com deficiência.

A Lei de Cotas possibilitou uma mudança significativa no perfil das universidades públicas, que puderam vivenciar os benefícios da diversidade. Estudantes com origens, conhecimentos e histórias de vida diferentes têm garantido a pluralidade de ideias e de contribuições fundamentais para a universidade.

A formação universitária torna menos injusta a disputa no mercado profissional, ainda estruturado pelo racismo, que barra pessoas pela cor da pele e traços físicos. O diploma em mãos não é garantia, mas abre o leque de oportunidades.

Essa diversidade vista nos bancos das faculdades é ainda pouco percebida no corpo docente, formado majoritariamente por professores e pesquisadores brancos. Uma das razões são as barreiras impostas ao acesso de negros e indígenas nos programas de pós-graduação das universidades públicas.

Para se ter uma ideia, na Universidade Federal da Bahia, estado de maioria negra e feminina, um levantamento realizado em 2020 mostrou que o grupo formado pelos professores que atingiram o topo da carreira de pesquisador —os chamados Bolsistas de Produtividade 1A do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) possui 20 docentes, destes apenas dois são homens negros e duas são mulheres. Não há nenhuma mulher negra neste seleto grupo.

Já destacamos aqui na coluna trajetórias femininas que contrariaram essas estruturas em Histórias de mulheres que desafiaram o machismo e o racismo nas ciências.

Iniciativa quer mais negras mestras e doutoras

Incomodada com a ausência da população negra, em especial, mulheres pretas, nos programas de pós-graduação, a intelectual baiana Carla Akotirene reuniu outras pesquisadoras e criou, em 2016, a iniciativa Opará Saberes.

Tratam-se de ciclos formativos para auxiliar pessoas negras, prioritariamente mulheres, a enfrentarem as seleções para o mestrado e o doutorado em universidades públicas. Para isso, o projeto oferece, de forma totalmente gratuita, suporte político, teórico, metodológico e psicológico, além de se comprometer em acompanhar as candidatas após a aprovação, garantindo a permanência nos cursos.

A terceira edição do projeto será lançado no próximo dia 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha) e já conta com o apoio de personalidades negras de referência como a atriz Taís Araújo, a jornalista Maria Júlia Coutinho e a filosofa Djamila Ribeiro. A iniciativa também contará com a participação de professores e professoras de diversas universidades brasileiras interessados em romper com o racismo que ainda impera nas estruturas da educação.

No edital, que será apresentado no lançamento, estarão os critérios para a participação de candidatas de todo o país, já que a formação terá caráter híbrido, com encontros presenciais e remotos.

Valorização de saberes desprezados pela Academia

A Academia moderna é um projeto colonial, patriarcal, eurocêntrico, narcisístico e eliminatório. A universidade é responsável pela colonialidade do saber decidindo se conquistamos ou não credenciais."
Carla Akotirene, doutora em Estudos Feministas pela Universidade Federal da Bahia

Carla Akotirene - Guilucci da PB - Guilucci da PB
Imagem: Guilucci da PB

Carla explica que uma das motivações do Opará Saberes é a valorização e instrumentalização dos saberes trazidos por pessoas negras, com epistemologias feministas, afrocêntricas, originárias e decoloniais, contribuições desprezadas pelas universidades.

"A academia empobrece os nossos valores bantus, éticas yorubás e sabedorias indígenas pois o potencial para as revoluções culturais é cooptado pela meritocracia e pela linguagem culta e hegemônica dos parâmetros da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)".

A pesquisadora lembra que o psiquiatra antilhano Frantz Fanon, uma das principais referências dos estudos sobre as sequelas do racismo, chegou a ser reprovado pela banca de doutorado na Universidade de Lyon, e o ativista afro-americano pelos direitos civis, Martin Luther King, foi acusado de não ter escrito a sua própria tese na Universidade de Boston.

O objetivo do Opará Saberes é enfrentar o epistemicídio dos pensamentos negros e garantir o ingresso e permanência de pessoas negras neste espaço de circulação de conhecimentos e de tomada de decisões políticas que são as universidades públicas e seus programas pós-graduação."
Carla Akotirene

O nome do projeto é uma homenagem à deusa Opará, que na religiosidade afro-brasileira é uma das qualidades guerreiras da orixá Oxum, que reina nos rios e cachoeiras. Na filosofia ancestral africana, Opará traduz a força do ímpeto e da sabedoria, ferramentas fundamentais para as pessoas negras que adentram as universidades.

Relembre a entrevista que fizemos com Carla Akotirene, em 2021, quando ela afirmou: 'Não esperam da preta retinta a intelectualidade'.