Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que Bolsonaro deve ver o vídeo Vizinhos do Mal, retrato sobre a milícia
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Presidente Jair Bolsonaro, o senhor teria 17 minutos da sua atenção à segurança dos moradores do Rio de Janeiro?
Imagino, presidente, que o senhor esteja muito ocupado tentando salvar a todo custo o seu mandato e a sua condição de imunidade, que te protege das tantas denúncias de corrupção que rondam Vossa Excelência e seus familiares.
Imagino o trabalho que esteja sendo, logo para o senhor não afeito a esses esforços, ter que circular por esse país, disfarçar preocupação com os problemas das cidades e pedir votos em redutos dominados por políticos do Centrão --dos quais se tornou refém tão explicitamente, a ponto de caber bem o apelido de tchutchuca.
Deve estar sendo difícil, presidente, ver se aproximar o dia da votação e perceber a ingratidão do povo que sabotou sua estratégia de angariar votos com o aumento do Auxílio Brasil com prazo determinado até o final do ano. Tanta trabalheira para aprovar a PEC da Reeleição, hein?
Mas é fato que Vossa Excelência já deve estar acostumado com essa rotina de tentar garantir a reeleição, já que esta tem sido a sua ocupação principal desde que assumiu a presidência e montou um cercadinho nos jardins do Palácio para nunca tirar a pose de candidato.
O desespero é tanto que o senhor chegou ao ponto de colocar em dúvida o próprio processo que o elegeu.
Parece que nada está dando certo. Os marombeiros, turbinados por whey protein mais barato, não conseguiram alterar os números das pesquisas, muito menos os empresários golpistas.
Nem a ideia de tirar sua companheira do sossego e submetê-la a cultos eleitorais que não revertem a rejeição das evangélicas ao senhor. Sábias e verdadeiramente conhecedores da Palavra, elas continuam desconfiando das suas intenções nada cristãs.
Aliás, as mulheres, essas que Vossa Excelência considera resultado de "fraquejada", têm sido uma pedra em seu sapato, hein? Viu a audácia da Simone e da Soraya no debate contra vosso prestígio de honestidade. Olha que elas nem tinham tido acesso ainda ao levantamento feito pelo UOL que mostrou a escandalosa e suspeita compra de 51 imóveis por sua família com uso de dinheiro em espécie.
Se o senhor não tivesse gasto tão cedo todo seu ímpeto agressivo, desperdiçando sua verve de tigrão com a jornalista Vera Magalhães, talvez conseguisse responder às provocações das adversárias.
Mas autocontrole não é seu forte, correto? Ainda mais diante de mulheres empoderadas.
Mesmo com essa rotina tão atribulada, restando apenas 30 dias para decidir o seu destino, seria importante reservar 17 minutos do seu tempo para assistir ao vídeo Vizinhos do Mal --uma produção do UOL Notícias e MOV, a produtora de vídeos do UOL-- que mostra depoimentos de três pessoas que tiveram suas vidas marcadas pela violência de milicianos que dominam diversos territórios do Rio de Janeiro.
O senhor sabe que um a cada três cariocas vive em áreas sob o controle de milícias paramilitares?
A capital da unidade da federação que te deu sete mandatos parlamentares agoniza em insegurança, com moradores e comerciantes sofrendo extorsões violentas.
Muitos, como as que tiveram a coragem de participar desse vídeo-denúncia, tiveram que deixar tudo para trás --casa, família, trabalho e liberdade-- para tentar preservar a vida.
Vida e liberdade --palavras tão repetidas em seus discursos-- estão bem distante da realidade de muitos brasileiros, em especial, dos cidadãos cariocas.
Assista ao vídeo, presidente. Sei que o senhor não tem costume de expressar sensibilidade diante de dores alheias nem mesmo diante da morte de seus compatriotas. Mas pelo menos, a grave situação denunciada pode levá-lo a refletir sobre o que Vossa Excelência fez (ou não fez) pela segurança pública do Rio de Janeiro em quase três décadas de mandato parlamentar.
Logo o senhor, que tanto se orgulha do seu passado militar, o qual poderia ter-lhe garantido algum conhecimento sobre o tema. Ao contrário, más-línguas falam sobre o vexame do seu relativamente breve período de atuação fardada.
Não é estranho que logo o Rio de Janeiro --que há três décadas elege um político com discursos tão comprometidos com a segurança pública e em defesa das forças policiais-- encontre-se em uma realidade tão desesperadora diante de tanta violência e domínio da marginalidade.
Nem o deputado Jair Bolsonaro nem o atual presidente da República demonstram o menor interesse com a situação denunciada nos depoimentos das vítimas das milícias, que expõem inclusive a conivência de policiais.
O senhor, que adora jogar a culpa das incompetências da sua gestão nos governadores, vai dizer que segurança pública é responsabilidade estadual. Nem no Congresso, nem no Palácio do Planalto, Vossa Excelência encontrou possibilidade de atuar para reverter a realidade violenta observada nas comunidades dominadas ou por milícias ou pelo narcotráfico.
Quando o senhor ainda era parceiro do ex-juiz que facilitou a sua chegada à Presidência, juntos, vocês enviaram ao Congresso proposta relacionada ao excludente de ilicitude, que, na prática, visava apenas ampliar as possibilidades de legítima defesa e de licença para matar de agentes que integram instituições de segurança com já elevada taxa de letalidade. Há alguma outra iniciativa sua que, ao contrário desta, buscou conter a violência?
Se tiver, informe aos brasileiros com urgência, especialmente aos que se encontram, neste momento, na mira das armas dos milicianos. Armas que inclusive tiveram a circulação facilitada por medidas do seu governo. Os bandidos agora utilizam armamentos legalmente registrados.
Imagine o senhor tendo que se despedir da Presidência a partir de outubro próximo sem ter contribuído em nada para segurança pública. Ao contrário, ter entrado para a História como o presidente que mais estimulou o ódio e a violência entre brasileiros. A começar pelo elogio a práticas de tortura tão comuns na rotina agressiva dos milicianos.
Neste sentido, o vídeo Vizinhos do Mal, em vez de indignação pelos relatos, pode causar-lhe satisfação ao confirmar que a tortura praticada por seus saudosos ditadores ainda é repetida cotidianamente nos territórios dominados pelas milícias.
Então, reforço a sugestão para que Vossa Excelência reserve 17 minutos do seu tempo para ver esse registro, que para muitos expressa o horror, mas não indigna ou mobiliza quem aposta na violência como política.
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