Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Racismo em voo da Gol mereceu desobediência civil e inspira boicote
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O violento constrangimento sofrido pela passageira Samantha Vitena Barbosa, expulsa de um voo da Gol que seguiu de Salvador a São Paulo, na noite de sexta (28), nos revela dois fatos importantes, mas infelizmente sem novidades:
Primeiro, que a cidadania das pessoas negras, em especial das mulheres, é desprezada cotidianamente no Brasil, por indivíduos e instituições que insistem em cercear direitos e promover humilhações pública.
Atitudes explícitas de racismo institucional, como essa, servem para anunciar, brutalmente, aos quatro cantos, quem tem o poder e liberdade de decisões e quem, tratado como um intruso em espaços de privilégio, está sujeito à expulsão a qualquer tempo.
A segunda evidência é que tanto a vítima como a sociedade já percebem rapidamente quando as práticas de preconceito e violência têm motivações raciais e, cada vez mais, têm exposto o incômodo e a não-aceitação dessas práticas ainda tão comuns no país.
Nos vídeos que circularam na internet, nota-se a reação dos demais passageiros diante de tamanha injustiça e desmedido uso da força contra alguém que apenas queria acomodar sua bagagem para proteger seus pertences.
O que falta, então, para uma ação mais efetiva das pessoas diante de cenas evidentes de racismo e machismo?
O que podiam fazer os passageiros para impedir a retirada de Samantha ou para exigir a sua presença como condição para a realização do voo?
Se todos tivessem se levantado e se colocado em defesa daquela mulher, a Polícia Federal, acionada pelo comandante da aeronave, teria expulsado todos os passageiros do voo?
Como fica o direito dos consumidores, que pagaram por um serviço e tinham o direito à prestação de qualidade, sem inconvenientes?
Como cidadãos, clientes da companhia tinham como direito expor que o incômodo com o tratamento oferecido a uma das passageiras, ao evidenciar práticas abomináveis de machismo e racismo, impossibilitava a prestação do serviço pago por eles.
A coragem de Samantha, ao não aceitar acatar uma ordem injusta, nos lembra que por vezes, o combate ao racismo exige atitudes de desobediência civil. O que seria do movimento pelos direitos civis norte-americanos se Rosa Parks, em 1º de dezembro de 1955, não tivesse a coragem de recusar ceder o seu lugar em um ônibus a um homem branco, no Alabama, como exigia uma lei segregacionista.
A atitude de Rosa Parks contou com o apoio de ativistas negros como o reverendo Martin Luther King e impulsionou um boicote aos ônibus até que a lei racista foi extinta.
Escritor propôs 'jejum' de voos da Gol
O escritor, ator e diretor teatral Aldri Anunciação utilizou seu perfil no Instagram para propor um boicote à Gol até que haja uma retração e indenização à passageira.
"Declaro o início de meu 'jejum' de voos da Gol até que a empresa se retrate e indenize moralmente Samantha Barbosa que foi expulsa injustamente do voo 1575. O 'jejum' de voos da Gol perdura até que a empresa turbine uma dinâmica educativa sobre os 05 fundamentos do Letramento Racial para todos os seus comandantes, com vistas a práticas antirracistas nos serviços e voos."
Para a coluna, Aldri explicou que os cinco fundamentos de letramento racial exigidos por ele têm como base os ensinamentos da pedagoga e consultora em diversidade e inclusão Dayse Rodrigues, da Academia de Líderes Ubuntu Brasil. São eles: reconhecimento da branquitude; o racismo não está no passado; o racismo é aprendido; expressões racistas; e interpretação de códigos e situações racistas.
Aldri Anunciação é o criador do espetáculo teatral Namíbia, Não!, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria ficção juvenil, em 2013 e inspiração para o filme Medida Provisória, dirigido por Lázaro Ramos, em 2022.
Também para a coluna, Aldri informou que já iniciou o boicote à companhia aérea: "Estou mudando minhas passagens da turnê da minha peça. Acho que a didática do racismo passa pelo prejuízo financeiro. No mundo capital isso é razoável. Ainda mais quando falamos de estrutura ou racismo institucional", afirmou o artista.
Se o racismo persiste, inclusive de forma explícita e filmada, cada vez mais são necessárias atitudes de enfrentamento, individual e coletivo, para romper com a naturalização das práticas de violência motivadas pelo preconceito.
Em nota, a Polícia Federal informou que agiu em atendimento à solicitação do comandante da aeronave que, pela lei, exerce autoridade no voo.
Se a lei ainda protege práticas e organizações racistas, que pelo menos os consumidores tomem uma atitude em favor da cidadania.
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