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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula passa feriado na Bahia, ao lado de quilombo em conflito com a Marinha

Rose Meire dos Santos Silva alertou ao presidente Lula violências sofridas por quilombolas: "meu povo está morrendo" - Divulgação/Ricardo Stuckert
Rose Meire dos Santos Silva alertou ao presidente Lula violências sofridas por quilombolas: "meu povo está morrendo" Imagem: Divulgação/Ricardo Stuckert

Colunista do UOL

08/06/2023 11h35

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Janja da Silva decidiram passar o feriado de Corpus Christi, nesta quinta-feira, 08, na Base Naval de Aratu, localizada na Praia de Inema, em Salvador.

O presidente e a esposa estarão bem próximo ao quilombo onde vive Rose Meire dos Santos Silva, 44, que em maio se ajoelhou aos pés do presidente em um evento público em Salvador, para denunciar a violência que sua comunidade sofre há décadas.

O presidente Lula deveria aproveitar a proximidade com o quilombo para fazer uma visita à comunidade e conhecer de perto o apelo que vem sendo feito pelos moradores.

Conflito com a Marinha do Brasil

O Quilombo Rio dos Macacos, instalado na região há mais de 200 anos, vive um conflito com a Marinha do Brasil desde 1960, quando a Prefeitura doou terras do quilombo para a construção da Base Naval.

A partir dessa ocupação dos militares, a comunidade passou a ter o acesso limitado às terras e também ao Rio dos Macacos, fonte de água para a sobrevivência das mais de 450 famílias.

Depois de anos de resistência da comunidade, presenciando a diminuição do seu território frente à expansão da vila residencial militar, em 2015, houve a declaração como remanescentes de quilombo, com direito às terras: 301 hectares demarcados, sendo 104 hectares destinados à titulação às famílias de Rio dos Macaco.

Contudo, a comunidade reclama que, além da diminuição considerável do território quilombola original, estimado em mais de 900 hectares, as famílias continuam sem acesso à água, saneamento e serviços básicos como educação e saúde. E culpam a Marinha do Brasil por isso.

Sem acesso ao rio, sem acesso à água

Em entrevista ao UOL News, em 12 de maio, logo após o apelo público ao presidente Lula, Rose Meire dos Santos Silva relatou o drama vivido pela comunidade, denunciando todo o histórico de violências.

"Eu perdi sete irmãos pela falta de políticas públicas e pela violência da Marinha do Brasil, eu perdi meu pai e perdi várias pessoas importantes da comunidade (...) pessoas arrastadas por dentro da comunidade por cordas (...) cada vez mais a violência aumenta contra os mais velhos e os mais novos", relatou Rosa Meire dos Santos Silva aos jornalistas Diego Sarza e Leonardo Sakamoto no UOL News.

A líder quilombola relata na entrevista que para construção das casas dos militares e uma barragem que abastece a Base Naval foram expulsas mais de cem famílias, com extrema violência.

"Eu desde pequena que apanho. Desde a minha idade de sete anos que eu apanho na beirada do rio, eu apanho de homens mesmo, de meter a coronhada na minha cabeça e eu desmaiar. Depois de velha eu apanhei de novo", conta.

Na época da denúncia, a Marinha informou por meio de nota à imprensa que foi estabelecido um procedimento conciliatório para uma "solução negociada" com a comunidade quilombola.

"A área atribuída à Marinha engloba a Barragem Rio dos Macacos e é considerada de segurança nacional, por contribuir para o planejamento das atividades relacionadas ao interesse nacional e à execução de políticas definidas para a área marítima", confirmando não haver previsão de uso compartilhado do Rio dos Macacos com a comunidade.

"É importante registrar que a barragem é fonte de água única e essencial ao funcionamento e existência de todas as organizações militares que se encontram na área da Base Naval de Aratu (BNA), constituindo o Complexo Naval de Aratu, onde trabalham 1.800 militares e civis", diz a nota da Marinha.
Lula já recebeu outras denúncias de Rio de Macacos

Rose Meire aproveitou a presença do presidente Lula em uma solenidade de regulamentação da Lei Paulo Gustavo, que aconteceu dia 11 de maio, em Salvador, para levar ao chefe da nação o apelo da sua comunidade.

"Lula, pelo amor de Deus. Estamos sem água, sem esgoto, sem escola. Socorro!", gritou da plateia Rose Meire, que chamou a atenção do presidente e foi levada ao palco. A quilombola entregou um documento a Lula contendo todas as denúncias e pedido providências urgentes.

Ela informa que, ao longo dos anos, já entregou outros cinco documentos de denúncias a Lula, como também à presidente Dilma Rousseff e ao Governo da Bahia, sob o comando do Partido dos Trabalhadores há 17 anos.

A comunidade não recebeu nenhum retorno da presidência, conforme informa Rose Meire.

Confira a entrevista ao UOL News:
Mulher que comoveu Lula relata estupro e violência de militares em quilombo: 'Estão nos matando'

Quilombos de Ilha de Maré lutam por políticas públicas

Desde o presidente Fernando Henrique Cardoso, a Praia de Inema é destino de descanso para presidentes em feriados, como Carnaval e Réveillon. Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro também estiveram na Base Naval de Aratu em seus mandatos.

Bem em frente à praia onde Lula estará descansando neste feriado está Ilha de Maré, uma das três ilhas pertencentes a Salvador, cuja comunidade também luta pela titulação das terras e por políticas públicas que atendam às mais de 400 famílias de remanescentes de quilombo que vivem na região.

Localizada na área central da Baía de Todos os Santos e próxima à Baía de Aratu, a Ilha de Maré é uma comunidade de pescadores, marisqueiras e artesãos, que vivem em cinco comunidades quilombolas já reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura e que aguardam a titulação das terras.

Apesar da proximidade com a capital baiana, Ilha de Maré sofre com a falta de infraestrutura básica, precário atendimento de saúde e os impactos da contaminação por resíduos industriais e esgoto residencial.

As lideranças comunitárias reclamam que a proximidade com o Porto de Aratu coloca a Ilha de Maré sob os riscos ambientais gerados por acidentes com embarcações de transporte de produtos das indústrias químicas e petrolíferas do Centro Industrial de Aratu.

Sugestão de filmes para Lula assistir neste feriado

Caso não queria ir conhecer presencialmente a realidade dessas comunidades, podendo olhar nos olhos dos moradores e ouvir seus lamentos, Lula poderia aproveitar o dia para conferir dois materiais audiovisuais que documentam todo o histórico de problemas enfrentados pelo quilombo Rio dos Macacos e pelos quilombolas de Ilha de Maré.

Em 2021 a comunidade de Ilha de Maré criou uma plataforma multimídia que reúne depoimentos e farta documentação sobre os conflitos gerados pelo racismo ambiental que atinge as comunidades quilombolas:

>Acesse As Marés da Ilha

Disponibilizado na plataforma YouTube, o documentário Quilombo Rio dos Macacos, de Josias Pires, de 2017, registra as denúncias dos moradores, as violências que se intensificaram a partir de 2010 e as medidas institucionais como audiências públicas e visita de órgãos internacionais como a Relatoria Especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada: