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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo contra assessor de Vini Jr. revela que é preciso mais que marketing

Colunista do UOL

17/06/2023 19h27

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Todo espetáculo 'antirracista' preparado para o amistoso da Seleção Brasileira de Futebol, neste sábado, 17, contra a seleção da Guiné, revelou-se insuficiente diante do racismo sofrido pelo amigo e assessor pessoal de Vini Jr. no estádio Cornellà-El Prat, nos arredores de Barcelona.

O jovem Felipe Silva, que mora e trabalha na Espanha com Vini Jr. desde quando o atleta passou a jogar no Real Madrid, acusa um funcionário do estádio de ofensas racistas na chegada ao estádio. Ele era o único negro do grupo de quatro integrantes do estafe de Vini Jr. e o único a sofrer abordagem violenta.

O segurança do estádio teria tirado uma banana do bolso, apontado para Felipe e falado: "Mãos para cima, essa daqui é minha pistola para você".

As imagens exibidas pela Rede Globo, ainda no intervalo do jogo, mostram a banana no bolso do segurança acusado do ato racista. O jornalista Eric Farias estava próximo ao ocorrido e presenciou a confusão, que teve polícia acionada, um boletim de ocorrência registrado e solicitação de imagens das câmeras do local.

O racismo contra o brasileiro mancha todas as iniciativas planejadas pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para tentar fazer do jogo contra a seleção africana uma resposta à série de violências racistas sofridas por Vini Jr. em sua passagem pela Espanha. Em especial às agressões do dia 21 de maio, no jogo do Real Madrid contra o Valência, quando Vini Jr. enfrentou a fúria de uma torcida o xingando de "macaco".

Na oportunidade, o jogador teve a coragem de denunciar o crime e, depois, utilizar suas redes sociais para cobrar atitude dos dirigentes da liga espanhola diante das sucessivas ocorrências de racismo no campeonato.

"Com racismo não tem jogo"

A frase "Com racismo não tem jogo" foi espalhada pelo estádio Cornellà-El Prat para a partida 'redentora' deste sábado. Além disso, a seleção jogou, pela primeira vez na história, com uniforme preto. Imagens contra o racismo foram exibidas em telões. Tudo isso em apoio a Vini Jr. que estreou como o camisa 10 da seleção brasileira na vitória de 4 x 1 contra Guiné.

O que levou os organizadores da partida a acreditarem que todo os racistas espanhóis eliminariam o histórico ódio racial, que remota ao período de dominação colonial da Europa sobre o mundo, com apenas essas mensagens de merchandising social?

O que houve de preparação para suas equipes de funcionários ou de ameaças de enquadramentos severos que sinalizassem a real intenção em combater o racismo institucional?

Até agora quais as punições sofridas pelos torcedores agressores, pelos árbitros coniventes e pelos times que se beneficiam das violências, que desestruturam jogadores brilhantes como Vini Jr., comprometendo o desempenho em campo com o gasto de energia contra sucessivos crimes raciais?

Ao contrário, marcar o jogo na própria Espanha é colocar toda a seleção brasileira, marcadamente composta por jogadores negros, em relação direta com os agressores. É privilegiar o local que tem sido palco de violências e oportunizar que racistas como esse segurança do estádio exponham sua vergonhosa rejeição antinegro com palavras e atitudes ofensivas.

Valentim - Reprodução Twitter - Reprodução Twitter
Twitter de Marcus Luca Valentim sobre racismo no futebol
Imagem: Reprodução Twitter

Já tínhamos escrito aqui na coluna, na ocorrência em Valencia, de que a omissão institucional, sem penalizar os agressores, só reforça o clima violento dos estádios contra jogadores negros. E que não cabia a Vini Jr., nem a nenhum negro, resolver um problema criado e perpetuado por brancos.

" (...) quem deveria resolver são os brancos, em seus lugares de poder e privilégio, e também as instituições alicerçadas em estruturas racistas, que lucram com as desigualdades e as hierarquias raciais".

Leia mais: A Espanha que se resolva com seus racistas

Cadê os jogadores e times europeus que não protagonizam atitudes e espetáculos verdadeiramente antirracistas, ao invés de deixar essa questão para o Brasil, os africanos e demais oprimidos pela lógica racista de dominação?

"Antirracismo é se indispor com gente poderosa"

O jornalista do Sportv , Marcos Luca Valentim, que também integra o podcast Ubuntu Esporte Clube, já havia utilizado sua conta no Twitter, na tarde deste sábado, para questionar a realização do jogo na Espanha, país das piores agressões racistas a Vini Jr.

"Sigo incrédulo que a CBF vai realizar um jogo na Espanha com o Vini Jr de protagonista após tudo que ele passou... NA ESPANHA.
"Ah, mas envolve muito dinheiro, já tinham anunciado".
Já disse: antirracismo é se indispor com gente poderosa".
A CBF tá disposta?
A resposta tá aí.


E ainda completou:

"Se o racismo é estrutural, o antirracismo seria, no meu entendimento, usar todos os mecanismos que você tem para destruir essa estrutura. Mas aí é que tá: organizações como a CBF - e certas pessoas também - têm mesmo interesse em destruir uma estrutura que as favorece?", Marcos Luca Valentim, jornalista do Sportv

Depois que a denúncia do assessor de Vini Jr. ganhou destaque na imprensa, Marcos Luca Valentim escreveu:

"Não precisa nem ser vidente pra saber que isso ia acontecer. Basta ter um pouco de discernimento".

A lógica de colocar as pessoas negros como únicas a denunciar o racismo e a enfrenta-lo de frente, parecendo serem os únicos incomodados com a situação, tem sido adoecedor, uma dupla violência, em benefício da comodidade de brancos, que em nada têm seus privilégios atingidos.

O que aconteceu hoje em Barcelona revela a gravidade do racismo e mostra o quanto os jogadores negros continuam servindo para manter os holofotes sobre o lucrativo e midiático espetáculo do futebol, mesmo que tenham que sangrar na própria pele, com violências direta à sua dignidade e condição humana.

Quem de fato se importa?