Andreza Matais

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Reportagem

Saúde retifica portaria que mandou R$ 51 milhões a mais para Cabo Frio

O Ministério da Saúde retificou a portaria assinada pela ministra Nísia Trindade (Saúde) que destinou verba pública extra para a cidade de Cabo Frio (RJ). A decisão ocorre após o UOL revelar que o documento oficial autorizava o envio de apenas R$ 4,6 milhões, apesar de o repasse ter sido no total de R$ 55,4 milhões.

A nova portaria foi publicada hoje (10) --quatro meses após o documento original sair no Diário Oficial da União-- com novos dados que confirmam o repasse.

Advogados especialistas em gestão pública disseram ao UOL, contudo, que a demora na correção dos dados precisa ser investigada por órgãos de controle por se tratar de um ato público.

A verba para Cabo Frio passou a ser questionada pelo Congresso e é investigada por uma CPI municipal depois de o jornal Correio da Manhã revelar que 21 dias após a liberação dos recursos, o filho da ministra foi nomeado secretário de Cultura do município. Marcio Lima Sampaio não era da cidade e nunca ocupou cargo dessa natureza antes.

Cabo Frio foi a única cidade do Rio de Janeiro beneficiada pela portaria 2.169/2023, que repassou recursos acima do teto para atendimento de média e alta complexidade, conhecida como MAC.

A ministra tem sido cobrada a explicar por que atendeu algumas cidades em detrimento de outras. O próprio presidente Lula (PT) criticou Nísia publicamente em duas ocasiões sobre os resultados na sua pasta, especialmente no combate à epidemia de dengue. O Brasil vive a maior epidemia da doença da história, o que tem impactado a popularidade do presidente que ganhou a alcunha de "presidengue" da oposição.

Nesta quarta, Nísia esteve na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Na audiência, ela minimizou a contratação do seu filho dias após ter recebido a prefeita que o nomeou e liberado recursos extras para a cidade.

Nenhum deputado me constrangerá trazendo a questão de Cabo Frio e do meu filho. É um músico e produtor cultural com atuação na área de cultura e a sua nomeação nada tem a ver com a minha gestão na pasta da Saúde. Cada destinação parte de uma avaliação técnica. Ninguém me constrangerá porque me orgulho dos filhos que tenho e da sua trajetória.
Nísia Trindade, ministra da Saúde

Sobre a verba, a ministra disse que "nada há de diferente" nos recursos enviados para Cabo Frio.

Conforme revelou o UOL, o PT tem interesse em se aproximar da prefeita Magdala Furtado. O partido, que controla cargos e verbas no Ministério da Saúde, busca enfrentar o bolsonarismo na região de Cabo Frio e aposta em Magdala como alternativa para isso.

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Em fevereiro, Magdala foi recebida pelo próprio Lula. Dois dias depois do encontro, ela trocou o PL pelo PV e anunciou que irá disputar a reeleição com o apoio do PT. O deputado Lindbergh Faria (PT-RJ), que intermediou o encontro, nega que verba do ministério tenha sido usada para cooptar a prefeita.

Entenda o caso

Para justificar o envio de R$ 55,4 milhões, a portaria 2.169/2023 publicada em dezembro cita quatro autorizações da CIB (Comissão Intergestores Bipartite) do RJ. Levantamento do UOL revelou, contudo, que elas só davam aval para o repasse de R$ 4,6 milhões.

Procurado na última semana, o Ministério da Saúde alegou "divergência" nos dados da portaria. Nesta quarta-feira (10), a pasta retificou o ato público.

"Existe, no meu entender, uma total irresponsabilidade porque estamos no mês de abril e existiu tempo mais que suficiente para que providências fossem adotadas e, se não foram adotadas a tempo e a hora, qual é a razão?", afirmou o advogado Edgard Leite, especialista em direito público.

Dinheiro não foi para emergência

Dos R$ 55,4 milhões que entraram, R$ 31 milhões foram movimentados entre os dias 15 (data da reunião com Nísia) e 29 de dezembro.

Depois disso, o restante do dinheiro não foi mais usado: os R$ 24,4 milhões que deveriam ser aplicados para reduzir filas de exames e cirurgias estão parados na conta da prefeitura.

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Uma CPI da Câmara Municipal de Cabo Frio diz que a maior parte do dinheiro movimentado foi para quitar folha de pagamento, e não empregado na saúde.

Os recursos também foram usados para contratar uma empresa para fornecer aventais impermeáveis por R$ 1,1 milhão. A prefeitura fez uma adesão a uma ata do governo de Sergipe para a compra.

No contrato obtido pelo UOL, não há informações sobre quantos aventais foram adquiridos, mas considerando os valores cobrados em Sergipe daria para comprar 300 mil aventais. Para especialistas, o número é desproporcional, considerando que Cabo Frio tem quatro hospitais e duas UPAs.

'Milhões de motivos'

Para apoiar Magdala, o PT abandonou o seu candidato em Cabo Frio.

Não pode num dia dizer que está com Bolsonaro e, no dia seguinte, estar filiado ao PV sem conversar com as lideranças locais. Algum interesse escuso aconteceu aí. Você pode mudar de opinião na vida e na política, mas de uma hora para outra e por motivos estranhos é de se questionar.
Rafael Peçanha, ex-petista que se filiou à Rede

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"O [deputado federal do PT] Lindbergh [Farias] veio aqui, abraçou, declarou apoio [à minha candidatura] e algumas semanas depois estava concordando com o movimento do PV em relação à Magdala. Ele deve ter 55 milhões de motivos ou 20% disso", disse Peçanha referindo-se a Lindbergh, que costurou o apoio do PT à prefeita.

Lindbergh disse ao UOL que Peçanha era recém-filiado ao PT e que Magdala é uma aposta importante do partido para conquistar espaço em território bolsonarista.

O parlamentar acusou seu ex-colega de partido de receber mesada do líder do governo Claudio Castro na Alerj (Assembleia Legislativa do RJ), o deputado Dr Serginho (PL).

"Esse tipo de ataque desrespeitoso contra minha trajetória só mostra que esse rapaz não tem trânsito na esquerda. Vou processá-lo. Todos nós sabemos que ele está a serviço do Dr Serginho [deputado estadual pelo PL] e recebe uma mesada para isso. Eu quero que ele me processe que eu vou contar quem me disse isso. É um canalha que nunca deveria ter entrado no PT", afirmou Lindbergh.

"Não merece nem resposta", disse o deputado estadual sobre a acusação.

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