Jucá: 'Lula precisa assumir as rédeas do governo e não ouvir só o PT'
Líder nos governos Lula I e II, o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) afirma que o presidente abandonou a prática de "conversar, articular e agregar" que marcou seus primeiros dois mandatos, o que acabou antecipando o debate sobre a sucessão de 2026.
Em entrevista à coluna, direto de Lisboa, onde participa do Lide Brasil Conferência — evento em parceria com o UOL para discutir as relações do Brasil com a Europa —, Jucá diz que falta a Lula "assumir as rédeas" do governo, se dedicar mais e dar espaço aos partidos de centro.
Ao conceder exclusividade ao PT nos debates políticos do governo, Lula, na visão do hoje consultor de empresas, adota ideias atrasadas e desconectadas do eleitorado, abrindo um espaço perigoso para a extrema-direita e prejudicial economicamente ao país.
"A economia é decisiva (para as eleições de 2026). Esse embate entre (o ministro Fernando) Haddad e o PT enfraquece a percepção dos agentes econômicos externos sobre o governo. Tudo isso é perigoso. Não dá para brincar à beira do abismo."
O Lide Brasil Conferência será transmitido ao vivo pelo UOL, das 5h30 às 15h (horário de Brasília). A programação trará análises exclusivas e debates sobre o ambiente de negócios entre brasileiros e europeus.
Veja a seguir a entrevista:
O senhor foi líder dos governos Lula I e II. Qual a diferença para o Lula III?
O governo Lula se elegeu com a bandeira da democracia, da retomada da discussão política, com o apoio dos partidos de centro no segundo turno e, portanto, ganhou com o espectro de centro-esquerda, muito calcado na experiência dos dois mandatos anteriores. O governo tinha uma prática de conversar, articular e agregar durante os seus dois mandatos, e isso não está ocorrendo.
O resultado das eleições municipais acende um alerta para o governo?
A eleição municipal mostrou o empoderamento dos partidos de centro, muito mais pela negativa à radicalização. Chegou a hora de o presidente fazer um ajuste no direcionamento do governo. O centro não tem um papel decisivo na definição das políticas do país, não está representado no Palácio do Planalto, que é o âmago do governo, e os ministros de centro têm papéis e agendas complementares. É muito mais cada um com o seu projeto do que integrado a um projeto de governo mais estruturante.
Quem ganhou a eleição foi a centro-esquerda, mas quem governa é a esquerda?
E não está definido ainda que matiz de esquerda está governando. Quem tem que governar o Brasil é o presidente Lula. O presidente vai ter que assumir completamente as rédeas desse processo, assim como fez nos dois mandatos anteriores. Eu fui líder do presidente Lula e vi a habilidade, o preparo, o escrutínio, a experiência de vida, a identidade dele com a população mais pobre. Hoje, a gente não vê uma agenda do governo conquistando o coração do país. Não tem sintonia. Há uma admiração pessoal pelo presidente, mas não há admiração pelo governo.
A direita cresce nesse vácuo?
Na hora em que a política não cativa, você cessa a política e, no lugar, vem uma aventura. E pode vir qualquer aventura. Nós já tivemos uma aventura de extrema-direita e tivemos agora o extremismo na disputa pela prefeitura de São Paulo (com Pablo Marçal). A forma sendo mais importante que o conteúdo. A descortesia, a má-educação, virou um atrativo. Era engraçado esculhambar o outro num debate. Pode ser um estilo de rede social, mas não é um estilo de governar. Nenhum país do mundo pode ser governado por anarquia. Tem que ter estabilidade, previsibilidade, e a gente sabe que, para isso, é preciso ter uma ação coordenada e um padrão mental de governo que você possa seguir.
O isolamento do presidente explica a falta de amarração do governo?
Eu gostaria de ver o presidente Lula agregando mais as forças políticas postas no país. Eu gostaria de ver, no Palácio, integrantes do centro democrático participando da reunião das 9h, discutindo com o presidente. O presidente precisa ouvir todas as correntes. Como somos um país liberal na economia, de empreendedores, de economia aberta, o governo tem que entender isso. O governo não tem que brigar contra o mercado. Tem que conduzir o processo econômico de um jeito que o mercado sustente o que precisa ser feito para resgatar uma parcela da sociedade para uma economia de consumo.
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Quero receberO presidente precisa se dedicar em tempo integral a esse ajuste do rumo do transatlântico. Não é fácil, mas existe pouco tempo para fazer isso. A partir de fevereiro, você tem um meio de ano para chegar no ano eleitoral.
A antecipação de 2026 deve-se a essa apatia do governo?
O governo tem que conduzir a agenda política. Não pode ficar a reboque. O discurso da esquerda no mundo está defasado, perdeu a sintonia com a população, a ponto de, nos Estados Unidos, o Trump virar o representante dos trabalhadores americanos. E isso está acontecendo na Europa. Em Portugal, a extrema direita também cresce.
O Brasil pode frear esse avanço da extrema-direita?
É muito importante que o Brasil entre na vanguarda desse processo de ajuste. Você vai ter o fortalecimento de uma extrema-direita em todo o mundo, e vejo, no futuro, a extrema-direita sendo combatida por um acordo de centro-esquerda com componentes de política econômica de direita. Não tem receita pronta.
O Brasil é um país de grande porte, a gente não pode ficar nesse drama hamletiano de ser ou não ser. A hora que a gente age assim perde proeminência internacional, e estamos perdendo isso. Na questão ambiental, somos um player mundial, mas não estamos na vanguarda dessa discussão. Ao contrário, a gente está sendo cobrado por uma série de questões que, se fosse no governo Bolsonaro, a esquerda estaria atirando nos resultados que o país está apresentando.
O discurso do governo Lula III está ultrapassado?
Um dia desses, eu brincando com um dos candidatos à presidência do PT, disse que o governo está com o foco errado. Quando o governo diz que quer dar terra para o sem-terra, o governo tem que dizer que está defendendo a propriedade privada. O sem-terra que recebeu a propriedade privada não vai querer que ninguém venha invadir a propriedade que ele recebeu. Brigar com o setor produtivo, com o agronegócio, dizer que a propriedade é relativa, tudo isso são questões que não cabem mais no modelo do Brasil.
O Ministério do Trabalho precisa receber um choque de modernidade. Deveria ser Ministério da Renda, da Atividade Produtiva. Muita gente não quer mais ser carteira assinada, quer ser empreendedora. Acompanhei a discussão dos entregadores de aplicativo e o governo conduziu mal esse processo. Quem trabalha para três, quatro empresas não quer ter carteira assinada, não quer ser sindicalizado. Ele quer ter seguro-desemprego, garantia em caso de acidente de trabalho, quer ter reconhecido, na sua remuneração, os gastos que tem com o carro. É outra relação. Nesse ponto, a visão do governo está ultrapassada e isso breca investimentos.
O mesmo vale para a Previdência?
Não dá para fazer financiamento da previdência com a folha de pagamento, ainda mais com a IA. As empresas serão, sobretudo, de capital e tecnologia. Menos folha e mais faturamento. A previdência terá que ser financiada forçosamente pelo faturamento e deve ser desonerada e não onerada como é hoje, com 20%.
A contratação não pode ser uma ação de planejamento tributário. Eu vou contratar gente para pagar menos ou mais. É PJ ou não é PJ? A contratação de pessoas tem que ser em cima de quantas pessoas eu preciso. Tem que tirar o ônus de ter uma carga de folha pesada e uma justiça do trabalho que condena o empregador.
Como faz esse debate com o ministro (Carlos Lupi) sendo do PDT?
O presidente tem que comandar esse processo. O governo tem que se sintonizar com a população, não é com o partido A ou B. Se o partido A ou B não está na sintonia do governo, o governo tem que ajustar. O ajuste não é partidário, é do comando do governo, do presidente Lula.
Quem perde com um Planalto tocado apenas pelo partido do presidente?
Os partidos representam correntes, posições. Quando você tem a exclusividade do PT no Palácio, no debate de manhã, na conversa do dia a dia, a visão do PT é importante, mas seria muito importante ter a visão de outros setores que pudessem agregar ao debate. O presidente tem que tomar as rédeas e definir essa questão. Precisa conversar mais com líderes partidários que são mais relevantes. Às vezes, a crítica engrandece a postura.
O governo não conduziu a definição pelos comandos da Câmara e do Senado. As forças de centro se organizam sem a liderança de um presidente?
Se tem pacificação, o governo deveria antecipar para fazer algum ajuste de novo ritmo do governo, como a reforma ministerial.
Como o centro se organiza para 2026?
Os partidos não podem ficar esperando o que vai acontecer. Esses partidos têm um compromisso de sentar para definir uma agenda, como apoiar a proposta do (Fernando) Haddad no que diz respeito à questão fiscal. Os partidos de centro diferem do PT nisso.
Se se unirem e tiverem uma agenda, podem definir com quem vão ganhar a eleição em 2026, se com a esquerda ou com a centro-direita.
Quem são os nomes para 2026 dos dois lados?
Tem a candidatura do presidente Lula, é o nome que está posto. A economia é decisiva. Esse embate entre o Haddad e o PT enfraquece a visão da economia, a leitura dos agentes externos econômicos sobre o governo. Tudo isso é perigoso. Não dá para brincar na beira do abismo.
Na direita, você tem desde a loucura do Marçal até governadores de centro-direita que estão se colocando bem, como o Caiado. Tarcísio é o mais lembrado, mas ele tem uma questão grave, que é a indefinição da candidatura de direita e ele teria que sair em março, ficar exposto, até a unção de uma candidatura em agosto. Ele está indo bem, tem reeleição bem encaminhada, não acho que ele irá jogar tudo isso fora.
Que lições o PT deveria ter aprendido com o impeachment para não cometer novos erros?
O papel do centro na estabilidade política. O centro foi quem fez o impeachment da presidente Dilma. Não foi a extrema-direita. A economia era preocupante. Hoje estamos vivendo turbulência pela postura do governo. O governo não tem que levantar expectativa do que não vai cumprir, não tem que ser TikTok, falando dez vezes por dia. O governo tem que falar o que é importante. Essa liturgia da relação com a população precisa ser restabelecida.
O Congresso capturou o orçamento. Há volta?
O Congresso está empoderado, é quem detém os recursos de investimento. Serão R$ 60 bilhões no ano que vem de emenda. Nunca ocorreu na história do Congresso. É quase impossível reverter isso. O governo deveria discutir os parâmetros de distribuição desses recursos.
Se o presidente assumir o debate, tem condições de impor isso. Qualquer coisa no Brasil tem que ter a presença do presidente. A política de ministro por ministro não funciona. São vários partidos, um briga com o outro por questões eleitorais. Não pode ser um varejo. Tem que ser uma ação estrutural.
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