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Augusto de Arruda Botelho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Agora não é hora de discutir o sistema de governo

Prédio do Congresso Nacional, em Brasília - Ricardo Moraes
Prédio do Congresso Nacional, em Brasília Imagem: Ricardo Moraes

Colunista do UOL

18/11/2021 09h18

República, Monarquia, Presidencialismo, Parlamentarismo ou até um semipresidencialismo: discutir a forma e o sistema de governo é importante, democrático e tema de reflexão constante. Na história recente brasileira, em duas oportunidades houve esse debate de forma bastante livre, ouvindo-se o povo por meio de um plebiscito.

Em 1963 discutiu-se apenas o sistema de governo, tendo o presidencialismo saído vitorioso. Em 1993, discutiram-se a forma e o sistema. E é o que temos hoje: a República Federativa do Brasil e um sistema presidencialista. Nada impede que essa discussão seja reaberta pelas formas constitucionalmente previstas. Há uma divergência entre juristas e na doutrina sobre como pode ser feita tal revisão. Alguns entendem que, por se tratar de cláusula pétrea, um sistema de governo só pode ser alterado com uma nova Constituinte. E há aqueles que entendem ser possível tal alteração por meio de uma Emenda Constitucional acompanhada de um plebiscito.

Aqui, sem entrar nos pontos positivos ou negativos de cada opção, um fato me parece evidente: não é o momento de discutir isso e a razão para a inadequação desse momento é bastante simples. Vivemos um período de extrema instabilidade institucional, em que há poucos meses, mais especificamente em setembro, discutia-se a possibilidade até mesmo de alguma espécie de golpe. Temos um governo que, mais do que flertar com o autoritarismo, ameaça quase que diariamente as instituições, seja por atos, seja por discursos muitas vezes golpistas, remetendo-se inclusive a atos institucionais da época em que o Brasil viveu sob um regime de exceção.

Volto a dizer: por mais que reavaliar o sistema de governo seja algo possível e até esperado, este é o pior momento para tanto. A instabilidade é tamanha que a simples discussão, ainda que no ambiente acadêmico, pode causar um gigantesco estrago.

E já tem causado. Vejamos a fala do Ministro Toffoli, em um fórum de juristas em Portugal, sendo completamente descontextualizada para atender a interesses desses mesmos saudosos dos tempos da Ditadura Militar, que agora, carentes de inimigos externos ou ideológicos, miram seus ataques no Supremo Tribunal Federal.

Para parlamentares da base de apoio do Governo Federal e seus eleitores, a fala de Toffoli em Lisboa significou uma espécie de confissão de que Bolsonaro não consegue governar, porque o Supremo interfere indevidamente em sua gestão. As manchetes de veículos governistas e das redes sociais já estão claras e vêm sendo marteladas em todas as últimas horas. A narrativa falaciosa foi buscar no baú das fake news governistas argumentos para alegar que a declaração de Toffoli seria mais uma prova de que Bolsonaro teria sido impedido de atuar no combate à pandemia.

Uma mentira contada mil vezes não a torna verdadeira, mas, para aqueles que fazem das fake news uma das únicas formas de debate, a afirmação do Ministro foi um prato cheio. A decisão do STF no começo da pandemia jamais, em hipótese nenhuma, limitou os poderes do Governo Federal para atuar no combate ao coronavírus. Apenas disse o óbvio, e esse óbvio está escrito em letras garrafais: a competência é - como deveria ser - concorrente. Tanto Estados como Municípios e o Governo Federal têm, dentro de suas atribuições, competência para gerenciar com suas especificidades as formas de combater a grave crise sanitária que o Brasil enfrentou. Diante da incapacidade, incompetência e atuação criminosa de Bolsonaro ao longo da pandemia, ele sempre procurou se esconder e se blindar atrás dessa decisão do Supremo - mesmo sabendo que, tecnicamente, ela jamais o blindou - para fugir de sua responsabilidade. Ação típica de um covarde.

O que se faz neste momento é justamente resgatar essa falsa narrativa e de certa forma ampliá-la, para agora dizer que o STF, com sua interferência indevida, é, ao fim e ao cabo, o grande responsável pela derrocada do país. "Se a inflação está nas alturas, deve ser culpa do STF." "Os 600 mil mortos? Ah, foi o STF." "Se a gasolina sobe, deve ter alguma coisa a ver com o STF." "Se eu não consigo aprovar uma reforma, esse Supremo é que não me deixa trabalhar."

É evidente que o STF assumiu enorme protagonismo, principalmente durante a pandemia, mas isso jamais pode ser considerado uma interferência, muito menos indevida. É papel do Supremo, como guardião máximo da Constituição, o controle da constitucionalidade de uma série de atos. Mais do que isso, é papel do Supremo, quando instado, decidir sobre certos temas, principalmente se outros poderes, seja por ineficiência, inércia ou incompetência, deixam de agir.

Portanto, o papel de nossa suprema corte durante a pandemia não pode ser objeto de críticas construídas com base em falsas premissas. O Supremo, quando erra - e ele erra -, deve sim ser criticado, mas nesse caso agiu da exata forma como a nossa Constituição Federal estipula.