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Balaio do Kotscho

Bem na hora dos protestos, Bolsonaro arma arapuca no Planalto

Colunista do UOL

18/03/2020 15h26Atualizada em 18/03/2020 15h54

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Bolsonaro deve se achar muito esperto e que os outros são todos tontos, como os seus seguidores mais fiéis e devotados.

Nesta terça-feira, dia 18, o presidente marcou uma reunião no Planalto com os presidentes dos outros Poderes para as oito da noite, bem na hora em que estarão acontecendo os protestos contra ele nas sacadas e janelas, que já começaram ontem.

É verdade que estamos numa situação de emergência mundial, mas por que marcar essa importante reunião para a noite, depois de a Presidência anunciar o cancelamento da agenda quando foi anunciado que o principal conselheiro de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, do GSI, também está com coronavírus (ele é o 17º da comitiva que foi aos EUA).

A primeira providência foi desmarcar a reunião com todos os ministros, prevista para a manhã, para discutir pela primeira vez o avanço da pandemia (ver "em tempo" no final do texto), que está deixando o mundo inteiro trancado em casa, menos aqui, porque o presidente acha que isso é apenas "histeria" da oposição.

Como não nasceram ontem, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, logo desconfiaram desse horário, próximo do panelaço", como informou a coluna Painel da Folha:

"Aliados dos parlamentares aconselharam ambos a não ir ou pressionar por um novo horário. Na avaliação dos políticos, a imagem deles reunidos durante o protesto dividiria o desgaste".

O presidente do STF, Dias Toffoli, não havia se manifestado sobre a coincidência até o início da tarde.

Toffoli, Maia e Alcolumbre, já haviam se reunido na segunda-feira com o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, para discutir a grave crise provocada pela pandemia, sem a presença do presidente.

No mesmo horário, Bolsonaro anunciou a criação de um "comitê de crise", sob o comando do general Braga Neto, chefe da Casa Civil.

Se não fosse tão dramática a ameaça que paira sobre todos os brasileiros, com os hospitais ficando lotados de infectados, essa arapuca poderia ser apenas mais um lance da "disputa de poder", como o presidente disse, placidamente, na entrada do Alvorada na segunda à noite.

Bolsonaro pensou em tudo, até em falar com a imprensa após a reunião e os protestos.

Dá até para imaginar a cena, Bolsonaro saindo de braços dados com os presidentes dos outros Poderes, com a claque perfilada no cercadinho, para mostrar que tudo está sob controle.

Não está. Pela amostra da véspera, quando moradores de várias capitais anteciparam os protestos marcados para hoje, as manifestações podem ganhar uma outra dimensão, como nos dias que antecederam a queda de Dilma Rousseff.

As últimas atitudes irresponsáveis do presidente e suas declarações estapafúrdias, tentando desdenhar dos efeitos da pandemia, parecem ter enchido o copo de mágoa até daqueles que votaram nele.

O protesto "Ditadura Nunca Mais", que tinha sido marcado para hoje por centrais sindicais, movimentos sociais e a UNE, agora virou "Vozes na Janela Contra Bolsonaro", que ontem já mereceu cobertura dos principais telejornais noturnos.

As milícias digitais bolsonaristas sentiram o baque e voltaram com força total nas redes sociais desde ontem à noite, com os robôs utilizando até IPs que estavam desatualizados há muito tempo para bombardear as convocações para as manifestações de hoje.

Nunca fui tão xingado na internet nestes 12 anos de blog, mas isso faz parte do jogo. Não vou mudar por causa disso.

Em tempo: quando estava terminando de escrever esse texto, tomei um susto ao ver, na Globo News, Bolsonaro de máscara cirúrgica reunido com todo o ministério (deve ter mudado de ideia depois de cancelar esta reunião).

Todos também usavam máscaras, menos Paulo Guedes, que a tirou na hora de fazer um relato, em economês castiço de Chicago, sobre as providências tomadas, a toda hora se referindo ao presidente, como se estivesse prestando contas do serviço.

E assim, sucessivamente, cada um foi entrando em cena como um jogral improvisado, insistindo que não há motivo para pânico, como o ministro Sergio Moro.

Mas os semblantes de todos em volta da grande mesa indicavam exatamente o contrário.

Em tempo 2: Bolsonaro aproveitou a reunião com os ministros para convocar seus seguidores para uma manifestação a favor do governo às 21 horas.

Vida que segue.