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Vidas ameaçadas: o exército invisível dos lixeiros e motoboys

Colunista do UOL

22/03/2020 13h13

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"Toda a sociedade agora deveria se mobilizar para resguardar da doença e do empobrecimento os mais vulneráveis", é a dica de hoje do editor da Folha, Sérgio Dávila, ao recomendar da leitura do editorial "Solidários venceremos", publicado na capa da Folha deste domingo.

Na mesma hora, me lembrei da mensagem que recebi logo cedo do meu genro Bráulio Mantovani, roteirista de "Tropa de Elite" e outros filmes premiados, um cara que sempre se preocupa com os outros:

"Os lixeiros deveriam ser beijados e abraçados pelo trabalho que fazem. No mínimo, aplaudidos. Mas formam mais um batalhão do exército de invisíveis deste nosso injusto país".

Bráulio tem toda razão. Depois dos médicos e enfermeiros, os coletores de lixo são os profissionais mais ameaçados pela pandemia de coronavírus.

Correndo de um lado para outro, noite adentro, levando para os 500 caminhões compactadores e outros específicos para o recolhimento de resíduos de serviços de saúde, eles percorrem uma área de mais de 1.500 km quadrados, onde vivem 11 milhões de paulistanos.

São cerca de 3,2 mil trabalhadores anônimos responsáveis por recolher 18 mil toneladas de lixo que produzimos diariamente, sendo 10 mil toneladas só de resíduos domiciliares.

Outro dia um deles publicou um vídeo em que lembra a importância do trabalho dos coletores e dos riscos que correm. E fez um apelo para que cuidemos melhor do nosso lixo, pensando mais neles, evitando colocar nos sacos objetos cortantes e outros resíduos perigosos como pregos e lâmpadas queimadas.

Em tempo normais, há uma lista de equipamentos de proteção individual que todo gari deve obrigatoriamente utilizar durante o trabalho: luvas de PVC, botina de segurança, máscaras para evitar contaminação de substâncias contaminantes e protetor auricular.

Mas nem sempre isso acontece e não sei se há uma fiscalização para garantir o uso correto desses equipamentos.

Agora, com os riscos de contaminação pelo coronavírus, esses cuidados deveriam ser redobrados, já que eles ficam pendurados lado a lado na traseira dos caminhões.

Se esse exército invisível ficar doente, toda a população estará ameaçada.

´"É para resguardar os mais vulneráveis - seja da violência do patógeno, seja da depauperação - que toda a sociedade agora deveria se mobilizar (...) Olhar para o outro que sofre e estender a mão é exercício que há de fazer bem à comunidade", diz o editorial da Folha.

Quem olha para os lixeiros? Quem dá um boa-noite para eles, um mínimo de atenção, um obrigado que seja?

Nós fomos nos desumanizando tanto que esquecemos de quem garante o nosso bem-estar, como se os coletores de lixo fossem robôs humanos cumprindo apenas uma tarefa mecânica.

Nenhuma cidade sobrevive sem o trabalho deles e ainda tem gente que xinga os coletores quando os caminhões atravancam o trânsito.

No final do texto, o editorial nos dá um alento: "A epidemia acaba, mas a solidariedade não vai embora e poderá transformar o Brasil".

Solidariedade: essa é uma palavra que a pandemia resgatou nas nossas vidas porque nunca como agora dependemos uns dos outros, mesmo trancados em casa.

Nas ruas desertas, só se ouve o barulho das motos sempre correndo para levar comida para quem não pode sair de casa.

Vamos nos lembrar também desses trabalhadores sem nenhum direito, sem proteção alguma, que correm todos os riscos para salvar algum dinheiro magro no final do dia.

De repente, vamos descobrindo que, sem esses exércitos invisíveis de lixeiros e motoboys, nós não sobrevivemos.

Vida que segue.