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Balaio do Kotscho

Cadê Regina Duarte?

Colunista do UOL

18/04/2020 13h01

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Após semanas de namoro e noivado, e muito suspense, chegara a hora da apoteótica posse de Regina Duarte como Secretária Especial da Cultura no Palácio do Planalto.

Com ares de prima-dona, em seu discurso sobre o pum de talco do palhaço, a veterana atriz, que já foi a "namoradinha do Brasil", exigiu carta-branca para trabalhar, e levou logo uma lambada de Bolsonaro para ficar sabendo que quem manda lá é ele.

Era começo de março e, logo em seguida, o Brasil entrava em quarentena.

Todos os holofotes se voltaram para o ministro da Saúde, que já foi defenestrado exatamente por aparecer demais.

Não foi esse o caso de Regina Duarte. Com ela, aconteceu o contrário: em seu novo papel como funcionária pública de primeiro escalão, a atriz simplesmente sumiu de cena, como aqueles personagens de novela que não dão Ibope e são limados da história.

Só me dei conta disso nesta manhã de sábado ao receber um vídeo de dois minutos. no qual cerca de vinte artistas, de várias partes do país, perguntam:

"Cadê Regina Duarte?"

Até o momento em que comecei a escrever esta coluna, não houve resposta.

Aos 73 anos, Regina pertence ao grupo de risco, eu sei, e deve estar se resguardando da pandemia de coronavírus, assim como seus colegas da primeira turma da Escola de Comunicação e artes da USP, da qual eu fazia parte.

Mas nada justifica o seu desaparecimento radical, antes mesmo de ter apresentado qualquer projeto para a área da Cultura, tão vilipendiada no atual governo.

Regina certamente já deve ter ouvido falar em home office, videoconferência, lives, essas coisas modernas que até seus colegas de ministério e o seu chefe Bolsonaro adotaram para não parar de trabalhar durante a quarentena.

Em diferentes situações, alternam-se no vídeo artistas de todas as áreas querendo saber que fim levou a representante da classe no governo.

Promovida pelo grupo ATAC (Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena Democrática e Liberdade), a gravação lembra que no mundo todo a cultura é responsável por 6% da economia e gera cerca de 30 milhões de empregos por ano.

"Em função do isolamento, os artistas encontram dificuldades para sustentar suas famílias e precisam urgentemente de apoio do governo. Verba para isso existe. Queremos saber da secretária especial da Cultura, Regina Duarte, o que ela está esperando para agir", cobram os seus colegas.

Entre as cobranças, está a liberação do Fundo Nacional da Cultura, principal instrumento de apoio direto a projetos artísticos no país para enfrentar a crise do setor agravada pela pandemia.

Enquanto Regina Duarte permanece fora de combate em alguma das suas propriedades, um outro artista da Globo, Antonio Fagundes, contemporâneo da secretária, botava a boca no mundo numa entrevista à Veja neste fim de semana, em que ele critica o "Estado mínimo" defendido pelo governo.

"O Estado tem, sim, funções e obrigação em participar de políticas econômicas, como projetos para a criação de emprego e uma melhor distribuição de renda. A principal dessas atribuições é a saúde, que não pode ser privatizada. Se o mundo não der atenção à ciência e à saúde nos próximos anos, a próxima pandemia vai ser muito mais letal".

Fagundes também criticou o pouco caso de Bolsonaro com os idosos, lembrando o que aconteceu na Alemanha durante o nazismo.

Nem que fosse em causa própria, Regina também poderia se preocupar com esse tema. Ela deveria ler o que Fagundes disse:

"É horrível quem não valoriza idosos. Todo esse cenário me faz lembrar da frase de Edmund Burke: "Quem não conhece sua história, está condenado a repeti-la. Esse mesmo tipo de preconceito já foi visto na história, com a eugenia. Na Alemanha, o nazismo eliminava idosos, uma história que não pode se repetir. Eliminava-se também os que pensavam diferente, os deficientes. O mundo está passando por isso de novo. Milhões de pessoas morreram pela irracionalidade. E parece que não aprendemos nada com isso".

Entre os artistas que perguntam no vídeo sobre o paradeiro de Regina estão o ator Renato Borghi, um combativo líder da classe artística, e os diretores Elias Andreato e Ruy Cortez, que ela deve conhecer pelo menos de nome.

Assim é o país em que vivemos: metade Regina Duarte, metade Antonio Fagundes.

Vida que segue.