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Balaio do Kotscho

No Palácio da Alvorada e na carreata da Paulista, o 1º de Maio da morte

Colunista do UOL

01/05/2020 16h29

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Cena um, praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto.

Manifestação de médicos e enfermeiros de branco carregando cruzes pretas em homenagem às vítimas da Covid-19 e em protesto contra as péssimas condições de trabalho nos hospitais. Do nada, surgem alguns trogloditas bolsonaristas de camisa amarela e avançam gritando sobre as mulheres do grupo, chamando para a briga. Eles têm especial predileção, como se sabe, em atacar mulheres.

Cena dois, entrada do Palácio da Alvorada.

De celular em punho, transmitindo ao vivo, a deslumbrada deputada Bia Kicis (PSL_DF), chega para um encontro com Bolsonaro, acompanhada, segundo ela, de um grupo de "trabalhadores da agricultura familiar que vieram agradecer pela ajuda recebida do governo". Com aquele jeito folgazão de quem acaba de chegar da praia, o presidente da República, vestido à paisana, vem receber as visitas à porta e as encaminha a uma sala do primeiro andar cercada de seguranças. Devem estar ali umas 20 pessoas bem vestidas, que mais parecem ter saído de uma reunião do Rotary ou de algum culto evangélico.

Cena três, concentração no Ibirapuera, em São Paulo, em frente a um hospital de campanha inaugurado hoje.

Vão chegando com seus carrões blindados os mesmos de sempre, para mais uma carreata da morte, enrolados em bandeiras nacionais com faixas contra o Supremo, o Congresso e o governador João Dória, e em defesa de Bolsonaro. Não são muitos, não passam de uma centena, mas, com um carro de som xingando "os vagabundos", fazem o barulho e a algazarra de uma torcida uniformizada de futebol em dia de final de campeonato.

São três cenas da manhã desta sexta-feira, em que se comemora em todo o mundo o Dia do Trabalhador.

Aqui, em meio à pandemia de coronavírus que grassa no país, e ameaça dobrar o número de mortos até a próxima semana, o que se assiste é à celebração da morte em diferentes cenários.

Ao se espalhar no sofá, instado pela deputada a fazer uma saudação para o Dia do Trabalhador, Bolsonaro não se faz de rogado. Parece que já tinha a frase preparada:

"Gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu, são os governadores e os prefeitos, hahaha".

Se todos voltassem a trabalhar, o Brasil, que já superou a China, venceria também os Estados Unidos do amigo Trump e seria o campeão mundial em número de mortes. Mas isso é impossível, não por culpa do isolamento social defendido por governadores e prefeitos, mas simplesmente porque não há trabalho para todos. São oficialmanete13 milhões de desempregados, informa o IBGE, fora os invisíveis. Trabalhar aonde, como quer Bolsonaro, se as empresas estão só demitindo sem parar?

"Hahaha", respondem todos, como se tivessem ensaiado, achando graça quando o presidente comenta que eles precisam "parar de falar em Globo lixo, porque o lixo é reciclável, hahaha".

Para que todos fiquem mais à vontade, Bia Kicis anuncia que vai parar a transmissão ao vivo. Estão todos sem máscaras, assim como o presidente, que ao terminar a sua "saudação aos trabalhadores brasileiros" é acometido de uma tosse seca, sentado ao lado de uma senhora sem proteção, que sorri alegremente. O vídeo está nas redes sociais.

O entrevero cívico em frente ao Palácio do Planalto acabou logo, sem vítimas, mas no Ibirapuera, entre o hospital de campanha e um quartel do Exército, a farra dos buzinaços estava só começando.

Como de costume, o roteiro traçado pelos organizadores da carreata da morte, pelo fim da quarentena e a volta ao trabalho, previa subir a Brigadeiro Luís Antonio até a Paulista, o epicentro da manifestação dos bolsonaristas em frente à Fiesp dos patos amarelos.

No caminho, eles vão passar por outros hospitais, certamente em homenagem aos pacientes, sem que sejam incomodados pela polícia do governador Dória, o principal alvo do protesto.

Este ano, exatamente por conta do isolamento social, não houve manifestações de trabalhadores e sindicatos, e só os seguidores do governo tiveram motivos para sair às ruas e comemorar o inesquecível 1º de Maio da morte.

Desta vez, sem shows nem sorteios, os trabalhadores foram lembrados apenas na internet, numa transmissão feita pelas centrais sindicais e movimentos populares, com a participação de Lula, FHC, Dino, Marina e outros líderes políticos.

Vida que segue.