Fome, queimadas e desemprego: cenas da destruição de um país
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"A destruição do Pantanal, da Amazônia e do que resta do Cerrado faz parte do programa da coalizão governista, que reúne grileiros, mineradores, madeireiros ilegais e vândalos do agronegócio" (Frei Betto no artigo "Brasil em chamas").
"O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente, e alguns não entendem isso. O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o meio ambiente" (presidente Jair Bolsonaro, na quinta-feira).
Um dos dois está mentindo. O frade e o presidente não podem estar falando do mesmo país.
É tanta desgraça acontecendo ao mesmo tempo que não dá para tratar de um assunto só numa coluna sobre o que está acontecendo no país neste dia 18 de setembro de 2020, um dia como outro qualquer.
Selecionei apenas alguns fatos e cenas desta temporada pré-apocalíptica da devastação de um país de 220 milhões de habitantes abençoado por Deus e bonito por natureza, que ficava ao sul do Equador, lembram-se?
* Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad-19) divulgados nesta sexta-feira, o desemprego no país bateu novo recorde. A taxa de desempregados aumentou de 13,2% na terceira semana de agosto para 14,3% na quarta semana do mês, atingindo 13,7 milhões de brasileiros, cerca de 1,1 milhão a mais do que na semana anterior.
* Antes da pandemia, 10,3 milhões já passavam fome no Brasil, segundo pesquisa do IBGE realizada entre junho de 2017 e 2018, 3 milhões a mais do que em 2013.
* Com 5.603 focos de incêndio na primeira quinzena de setembro, o Pantanal continua queimando e deve terminar o mês batendo o recorde histórico registrado em 2007. Na Terra Indígena Baía dos Guató, o povo mais antigo da região já perdeu 83% do seu território. Ventos do Centro-Oeste e do Norte estão trazendo fumaça das queimadas para o Sudeste. Há previsão de "chuva negra" para este final de semana em São Paulo. Como dizem os caipiras, "só está faltando chover merda".
* O governo da França comunicou oficialmente que se opõe ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul diante do impacto ambiental das Queimadas na Amazônia e no Pantanal e a falta de mecanismos para garantir que os compromissos assumidos contra o desmatamento sejam respeitados. "O desmatamento coloca em risco a biodiversidade e o clima", disse o primeiro-ministro Jean Castex. O ministro da Agricultura, Julien Denomardie, declarou que, "como está, as coisas são claras: Não ao Mercosul".
* Nesta sexta-feira, o avião que levava o presidente para ser homenageado no Mato Grosso por plantadores de soja teve que arremeter ao pousar em Sinop, por falta de visibilidade provocada pelas queimadas. Para Bolsonaro, no entanto, o incidente aconteceu por causa do "mau tempo". Segundo ele, o Brasil tem apenas "alguns focos de incêndio".
* Bolsonaro e seu êmulo Donald Trump estão entre os vencedores do Prêmio IgNobel, que aponta os fatos mais irrelevantes ou inusitados da ciência mundial. A homenagem se deve à condução da crise da pandemia do coronavirus por esses dois presidentes. Brasil e Estados Unidos concentram cerca de 405 mil mortes pela pandemia, o que representa 35% das vítimas registradas em todo o mundo.
* A Polícia Federal investiga o uso de verba publicitária do governo Bolsonaro no financiamento de páginas com mensagens antidemocráticas, que defendiam o AI-5, a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF. Dois filhos do presidente, Carlos e Eduardo, foram chamados para depor.
* Em sua live de quinta-feira, vestido com a camisa da Portuguesa de Desportos, o presidente disse que os professores "querem ficar em casa sem trabalhar" e acusou os sindicatos do magistério de serem controlados por "radicais de esquerda". Enquanto defende a volta às aulas, o governo corta verbas da Educação.
* Entre uma viagem e outra, Bolsonaro gravou um vídeo com o discurso que fará na terça-feira na abertura da Assembleia Geral da ONU, afirmando que a pandemia e as queimadas estão controladas no Brasil. Só no Pantanal, que continua em chamas, já foram devastados mais de 3 milhões de hectares. Ele não se conforma: "Tem críticas desproporcionais à Amazônia e ao Pantanal, né. Califórnia está ardendo em fogo. Na África tem mais focos que no Brasil".
Bolsonaro pensa que ao negar os fatos eles deixam de existir. E muita gente acredita nessa realidade virtual.
Bom final de semana.
Vida que segue.
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