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Balaio do Kotscho

No país dos fura-filas e das carteiradas, vacinas chegam a conta gotas

Dr. Verissinho (MDB), prefeito de Pombal (PB), fura fila e recebe primeira vacina da cidade contra a covid-19. Seria mentira dizer que essas cenas surpreendem - drverissinho.oficial/Instagram/Reprodução
Dr. Verissinho (MDB), prefeito de Pombal (PB), fura fila e recebe primeira vacina da cidade contra a covid-19. Seria mentira dizer que essas cenas surpreendem Imagem: drverissinho.oficial/Instagram/Reprodução

Colunista do UOL

22/01/2021 17h52

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Antes mesmo que as primeiras vacinas no Brasil fossem distribuídas esta semana, para atender aos grupos prioritários, a turma do leve vantagem em tudo, das corporações e das carteiradas, já entrava em ação para furar a fila, como era de se esperar.

Começou com o Ministério Público de São Paulo, depois foi a vez dos meritíssimos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, mas todos tiveram seus pedidos negados.

O processo de vacinação no país, logo nos primeiros dias, serviu para mostrar não só a total incompetência e incúria dos militares do Ministério da Saúde comandados pelo general Pesadelo (Eduardo Pazuello), que não providenciaram a tempo vacinas para todos, mas também a degradação moral de uma sociedade que mão respeita as regras estabelecidas para o atendimento prioritário dos grupos de risco (profissionais de saúde, idosos e deficientes em asilos, e indígenas aldeados).

Em menos de uma semana, o Ministério Público de ao menos oito Estados (Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro, Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia), além do Distrito Federal, já abriram investigações para apurar denúncias que podem levar a ações penais e processos de improbidade administrativa.

Como já se podia imaginar, a maioria dos fura-filas são os próprios prefeitos das cidades e as autoridades locais, que usaram a desculpa de servir de exemplo para "estimular a população a se vacinar". Coisa de patriotas, claro.

Entre os espertos, tem de tudo, de políticos e parentes de "gente de bem", até um fotógrafo que estava a serviço de uma prefeitura e aproveitou para entrar na fila. Já que estava lá mesmo, por que não?

Fura fila com direito a selfie

Mas o que mais me chocou nessa história foi a atitude de estudantes e professores do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o que se pode chamar de elite da elite paulistana, que também se acharam no direito de receber logo a vacina, apesar de não preencherem os requisitos de prioridade.

Reportagem do meu colega Wanderley Preite Sobrinho, aqui do UOL, que teve acesso à lista com nomes das pessoas escolhidas pelo HC para receber a vacina, mesmo não atuando na linha de frente do combate à pandemia, relata que viu em redes sociais publicações e fotos de professores e alunos sendo vacinados. Não basta furar a fila, tem que tirar selfie para provar.

Um deles, do curso de Fisioterapia Esportiva, ficou eufórico: "Concordando ou não com a estratégia de vacinação dessas primeiras doses, fui e fiz a minha parte. Baita organização do hospital. Menos de 2 min que entrei e já estava vacinado".

Já um médico ficou indignado ao saber que um aluno deixou de ir ao estágio no hospital para se vacinar e que a sua professora, que trabalha em casa, também fará o mesmo.

Brasil no fim da fila

Enquanto isso, muitos postos de saúde e hospitais da capital ainda não têm nem previsão de receber a vacina contra a covid-19.

No final da tarde desta sexta-feira, chegou finalmente o lote de 2 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford/Fiocruz, vindas da Índia, que não vão dar nem para o cheiro num país de 212 milhões de habitantes que precisa de 424 milhões de doses para imunizar toda a população.

Com um presidente negacionista, que é contra a vacina, qualquer vacina, e um general especialista em logística na Saúde, que foi ao aeroporto acompanhado de outros ministros para recepcionar a carga vinda da Índia, ao final de uma longa novela de desencontros, o Brasil caminha para ser um dos últimos países a conseguir imunizar sua população, se é que isso acontecerá algum dia.

Vamos seguir aguardando

Minha alegria durou pouco. Domingo passado, comemorei a aprovação da CoronaVac, do Instituto Butantan, e já marquei na agenda o dia 15 de fevereiro para tomar a primeira dose da vacina, segundo o cronograma estabelecido pelo governo paulista para a minha faixa etária, de 70 a 74 anos.

Como todas as vacinas foram requisitadas pelo Ministério da Saúde, que até agora não apresentou um calendário de vacinação, agora já não sei mais quando chegará a minha vez.

Só não vou furar fila.

Vida que segue.

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