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Balaio do Kotscho

QG de general comanda a negociação de votos de parlamentares à luz do dia

É hora de afagos: Bolsonaro e seu articulador constroem a vitória da velha política no Congresso em 2021 - MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
É hora de afagos: Bolsonaro e seu articulador constroem a vitória da velha política no Congresso em 2021 Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

01/02/2021 18h00

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Compra e venda de votos de parlamentares, em troca de cargos e emendas pelo governo de turno, desde sempre fizeram parte do ritual nativo na época de eleições para o comando do Congresso Nacional.

Mas é a primeira vez, ao que eu me lembre, que isso acontece à luz do dia, com as negociações comandadas por um general da reserva do Exército, Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, principal articulador político do Palácio do Planalto. Até o chefe da Casa Civil hoje é um general, Braga Netto.

Mesmo na época da ditadura militar, essa tarefa era transferida a políticos civis, que procuravam esconder dos jornalistas estas operações, apesar da censura à imprensa, para não sujar as mãos.

Havia ainda um certo pudor. Nem tudo que acontecia nos bastidores do poder deveria chegar ao conhecimento dos eleitores para não queimar o filme dos envolvidos nas transações.

Agora, não. Com a volta do presidente Jair Bolsonaro aos braços do Centrão, tudo é feito às escâncaras, até a véspera das eleições, para convencer parlamentares a mudar o voto a favor dos candidatos do governo.

Até o dia 26 de janeiro, uma semana antes de os parlamentares votarem, o governo pagou um volume recorde de emendas parlamentares, destinando R$ 504 milhões para redutos eleitorais de deputados e senadores, como revela hoje o repórter Daniel Weterman, do Estadão.

Planilha

Em dezembro, quando o governo resolveu jogar pesado no apoio aos seus candidatos, Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, o governo já havia liberado R$ 3 bilhões em obras a 250 deputados e 35 senadores.

Desta vez, com a ajuda do Ministério do Desenvolvimento Regional, foi montada uma planilha interna de controle de verbas listando os nomes dos parlamentares agraciados com recursos extraordinários, além daqueles a que já têm direito no orçamento impositivo.

Segundo o Estadão, que teve acesso à planilha, a oferta de recursos foi feita no gabinete do general Luiz Eduardo Ramos. Para garantir os votos, além das verbas extras, também cargos de diversos escalões, e até ministérios, entraram no bolo das negociações.

A Lei de Robertão prevalece

O apoio do Centrão sempre custou caro aos governos, como bem sabem todos os últimos presidentes da República, e sem nenhuma garantia de fidelidade.

Ao contrário, as demandas das excelências sobem à medida em que o governo se enfraquece,

No caso do capitão-presidente, o que chama a atenção é o fato de ele ter sido eleito prometendo justamente acabar com esse "é dando que se recebe", a receita franciscana do fundador do bloco, o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, o Robertão.

Ao se ver encurralado por dezenas de pedidos de impeachment e investigações sobre seus filhos em várias instâncias da Justiça, Bolsonaro correu de volta para o velho Centrão, onde passou a maior parte da sua carreira parlamentar de deputado do baixo clero.

Pacotes para todos

Por isso, o presidente sabe com quem está lidando, mas não havia outro jeito de se garantir no cargo, pois os generais aliados podem ter tropas, mas não têm votos no Congresso.

Essa conversão do presidente à "velha política", que ele combatia na campanha, tem seu preço com o setor mais radical do bolsonarismo, mas para esses devotos ele já prepara um pacote de medidas na área de costumes, como a liberação total de armas e munições para todos, a escola sem partido, mudanças na legislação sobre o aborto e combate a todas as lutas identitárias por justiça social.

Para a turma do andar de cima de Paulo Guedes, ele acena novamente com as reformas econômicas e mais restrições aos direitos trabalhistas.

Uma inundação lenta

Com a faca e o queijo (leia-se a Câmara e o Senado) nas mãos, nada o impedirá de apresentar projetos mais autoritários, minando os alicerces da democracia liberal aos poucos, quase sem ninguém perceber.

Enquanto escrevia, recebi um tuíte muito interessante de um pensador francês, Olivier Babeau, que preside um think tank chamado Institut Sapiens, em Paris, bem a proposito do momento que estamos vivendo em nosso país:

"O que deve ser entendido é que o totalitarismo não cai sobre a população como um paralelepípedo. Ele cresce gradualmente, de forma insidiosa, como uma inundação lenta.

Talvez possamos acrescentar que o totalitarismo, por mais insidioso que seja, engana até as elites e os contra-poderes (justiça, jornalismo, fiadores da constituição, etc) que muitas vezes se tornam seu instrumento ao invés de seu adversário.

Uma vez que o colar está colocado, é fácil apertar gradualmente".

Vida que segue.