Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O tenente das bombas e o soldado miliciano: como eles puderam ser eleitos?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
"A que ponto chegamos", lamenta Merval Pereira em sua coluna de hoje no Globo, desconsolado com os rumos do país.
Para entender como chegamos até aqui, caro colega, bastaria pegar o currículo, ou melhor, o prontuário de dois personagens que se cruzaram nas eleições de 2018, e analisar a nossa responsabilidade como jornalistas nesta história, que começa na Lava Jato, passa pelo Alto Comando do Exército e desemboca nas ameaças ao Supremo Tribunal Federal.
Ambos abandonaram as fardas para se tornar políticos, depois de serem processados e presos por suas corporações, e foram candidatos pelo PSL, um partido nanico de aluguel, que lhes ofereceu a legenda, assim como a muitos outros policiais e militares eleitos na onda conservadora da chegada pelo voto da extrema-direita ao poder.
Por isso, urge criar antes das próximas eleições uma cláusula de barreira para exigir dos candidatos a apresentação do atestado de antecedentes e de um exame de sanidade mental.
Falo, é claro, do presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Daniel Silveira, dois personagens emblemáticos destes tempos de insânia, idiotia, colera e demência, que colocam em risco a nossa democracia.
A falta dessas exigências básicas para o exercício de um mandato popular ajuda a explicar como chegamos até aqui, em meio a mais uma crise institucional que paralisa o país, já assolado pela pandemia e a falta de vacinas. Nesta quinta-feira, foi adiada a votação da MP das Vacinas para a Câmara discutir o que vai fazer com o elemento.
Como eles puderam ser eleitos?
O tenente Bolsonaro foi processado no Superior Tribunal Militar por vários delitos graves, ao planejar atentados a bomba a quartéis e à estação de abastecimento de água do Rio de Janeiro, para reivindicar aumento de salários da tropa. Punido com alguns dias de prisão, acabou sendo absolvido no STM e reformado como capitão, aos 33 anos, para se candidatar a vereador e iniciar sua carreira política. .
O soldado da PM Daniel Silveira, que usava a sua página no Facebook para atacar líderes religiosos e a imprensa, tem um robusto prontuário em que constam 26 dias de prisão, 54 de detenção e 14 repreensões por atos de desobediência e falta ao trabalho. Em 2018, seguiu a mesma trajetória de Bolsonaro e se elegeu deputado federal, com 31 mil votos, depois de rasgar uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, fuzilada por milicianos, também ex-PMs.
A Polícia Militar do Rio, onde a família Bolsonaro recrutou assessores para seus gabinetes, é a maior fornecedora de mão-de-obra para as milícias cariocas.
Daniel Silveira pode até não ter carteirinha de miliciano, mas revela no seu comportamento o mesmo vocabulário grosseiro e métodos violentos e cafajestes dos ex-colegas de farda, que trocaram a segurança pública pelo crime organizado, e foram protestar contra a sua prisão diante da carceragem da Polícia Federal, no Rio, onde está detido.
Esse é o caldo de cultura onde vicejou o bolsonarismo raiz, bem retratado nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha, com roteiro de Bráulio Mantovani, que termina com um sobrevoo de Brasília, para mostrar numa cena premonitória onde eles poderiam chegar.
Até desfechar num vídeo inenarrável o violento ataque verbal ao STF, onde é investigado por participação em atos antidemocráticos, Daniel Silveira fazia parte da tropa de choque do presidente Bolsonaro no Congresso, era um dos seus homens de confiança.
Como dizia o costureiro e ex-deputado Clodovil, "boi preto conhece boi preto".
Até o momento em que escrevo, o presidente Bolsonaro ainda não havia saído em defesa do correligionário, depois de o pleno do STF chancelar a prisão de Silveira por 11 a 0, algo muito raro na Corte.
Assim como seu líder, o ex-PM, legítimo "cidadão de bem", resolveu testar os limites das instituições. Perdeu.
A pergunta não deveria ser o que ele fará agora, mas como um meliante com esse perfil pode chegar à Câmara dos Deputados?
Se a cláusula de barreira para candidatos já estivesse em vigor, e as instituições realmente funcionassem, Daniel Silveira seria apenas mais um miliciano aloprado, e Jair Bolsonaro jamais chegaria à Presidência da República.
Agora, não adianta ficar indignado com as confissões do general Villas Bôas sobre a participação do Alto Comando do Exército na operação golpista para impedir Lula de ser candidato em 2018.
Os eleitores poderiam não saber quem era o "Mito", mas os jornalistas e o comandante do Exército tinham obrigação de conhecer seu currículo.
Pois foram eles, junto com a Lava Jato de Sergio Moro, os responsáveis por abrir o caminho para a eleição do tenente terrorista, que na garupa dele levou os militares de volta ao poder.
Só falta saber agora quem será capaz de mandá-los de volta aos quartéis.
Vida que segue.
Balaio no Youtube:
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.