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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

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Passeata dos Cem Mil: há 53 anos acontecia o grande ato contra a Ditadura Militar - Reprodução
Passeata dos Cem Mil: há 53 anos acontecia o grande ato contra a Ditadura Militar Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/03/2021 14h48

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Sai semana, entra semana, e nós não conseguimos mudar de pauta.

Parece que tudo no Brasil agora se resume aos dois assuntos que estão no título desta coluna, e que não pretendo mais repetir aqui _ pelo menos, por hoje.

Passei esta manhã de domingo lendo todos os jornais, as revistas e os portais, o noticiário e as colunas dos colegas, não se fala de outra coisa.

Virou uma coisa doentia, uma sessão contínua de sadomasoquismo neste labirinto sem saída à vista.

Do primeiro ao último telejornal do dia, são as mesmas notícias e os mesmos comentários, que vão alimentar as rodas de conversa em todo lugar e não levam a lugar nenhum.

Como não vejo Big Brother e não tem mais futebol, cinema nem teatro, só me restaram os livros para lembrar que existem outras coisas na vida além da nossa tragédia cotidiana. Mas eles só falam do passado e eu estou preocupado com o nosso futuro.

A única boa notícia que recebi dos amigos veio do velho José Trajano, 74 anos, jornalista esportivo e escritor da melhor qualidade. É um cara tão otimista que continua torcendo para o Ameriquinha do Rio.

Com o animo sempre renovado _ de onde ele tira essa força?_ o resiliente cidadão está participando da organização de um ato no dia 26 de junho no Rio, para lembrar o 53º aniversário da Passeata dos Cem Mil.

Para quem não se lembra, essa passeata foi a primeira grande manifestação contra a ditadura, em protesto contra o assassinato do estudante Edson Luís, no terrível ano de 1968, que terminou com a decretação do AI-5 e do fim de todas as ilusões da minha geração por um bom tempo.

Éramos todos jovens sonhadores iniciando suas carreiras profissionais, que seriam ceifadas pela censura, a tortura e a morte nos calabouços da longa noite de horror que as viúvas da ditadura querem reviver.

Pois agora, os sobreviventes grisalhos ou carecas, mais ou menos baleados, querem se reunir novamente nas ruas contra o arbítrio do atual regime e em defesa das mesmas causas, a liberdade e a democracia novamente ameaçadas.

Quem deu a ideia de mandar os velhos para a rua foi a jovem economista Laura Carvalho, com o argumento de que já estamos sendo vacinados e, 20 dias após a segunda dose, poderemos nos reunir novamente.

"É hora de mostrarmos que rebeldia e combatividade não cessam com o passar dos anos. É nossa hora e nossa vez. Que os mais jovens, os não vacinados se cuidem, pois eles serão fundamentais nos embates futuros", animou-se outro sobrevivente de 68, Luiz Roberto Viveiros de Castro, o Gaiola, que se lembrou da música "Ói nós aqui outra vez", gravação dos demônios da Garoa.

Logo uma corrente se formou nas redes sociais, já propondo que o ato seja marcado para a Cinelândia, nas escadarias da Câmara Municipal, no centro do Rio. Só ficou faltando marcar o horário.

"Contra o Collor, foi a garotada, os caras-pintadas; agora, a turma dos cabelos prateados", lembrou a amiga Renée Zicman, militante da Academia de Litros, da qual também fazem parte o Trajano, eu e outros combatentes das letras e das ideias.

Pode parecer uma iniciativa romântica, mas é melhor do que ficar em casa e não fazer nada, ficar só reclamando da pauta única do vírus e do verme e das desgraças todas da vida.

"Se formos 100, estaremos, cada um, representando mil. Mas acho que temos que ousar juntar 1000 companheiros - um para cada 100 dos manifestantes daquela histórica passeata", escreveu o Gaiola, ao receber a mensagem enviada por José Trajano com a sugestão da Laura Carvalho.

Quem sabe até lá eu também possa me juntar aos velhos amigos e lembrar dos tempos em que a gente não tinha medo de ser feliz.

Precisamos urgentemente sair desta inhanha que nos devora o coração no beco em que fomos metidos, escrevendo apenas notas de repúdio e colunas criticando o que bem merece, mas é inútil, nem que seja só para mostrar que continuamos vivos.

Vida que segue.