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OPINIÃO

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Mario Prata pede para o mundo parar de inventar coisas, e ele está certo

Mario, o "velho pai" do cronista Antonio Prata, da Folha, pede neste domingo uma trégua de cinco anos sem inventarem nada no mundo - Reprodução / Internet
Mario, o "velho pai" do cronista Antonio Prata, da Folha, pede neste domingo uma trégua de cinco anos sem inventarem nada no mundo Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

21/11/2021 14h26

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O "velho pai", como ele se autodenomina, também conhecido como Mario Prata, e o filho Antonio o chama em sua crônica dominical na Folha ("Saudades da secretária eletrônica"), concordam que está na hora do mundo parar de inventar coisas _ dar um tempo, para a gente poder organizar nossas cabeças. Gostei da ideia. Também ando meio perdido com tantas modernidades.

Sou mais amigo do pai, é claro, porque temos quase a mesma idade, mas admiro demais os dois como jornalistas, cronistas, escritores e novelistas consagrados, não só pela escrita criativa e saborosa, mas por sua inquietude insubmissa, sem perder o bom humor, diante das mazelas desse mundo cada vez mais cibernético e desumano.

Antonio mora em São Paulo e o Mario já faz tempo que, sabiamente, se retirou para uma praia de Florianópolis, onde tem todo o tempo do mundo para pensar na vida, sem pressa nem aflições.

O que torna difícil a comunicação dos dois não é a distância nem a falta de instrumentos, mas o excesso de canais e invenções tecnológicas, renovadas a todo momento, com novos códigos, siglas e números que tornam as relações humanas um verdadeiro labirinto.

Assim como eu, o velho Mario não tem o hábito ou a habilidade necessária para usar os tais aplicativos ou qualquer uma "dessas coisas" criadas para facilitar a vida.

Na semana passada, enviou uma mensagem ao filho à uma e meia da manhã pedindo para lhe mandar um x-salada, com um apelo: "Alimente seu velho pai".

Sem resposta, ligou para saber se o filho tinha recebido a mensagem. "Por onde?", perguntou-lhe Antonio. Esse é o problema: com tantos canais, um não lembrava por onde mandou e o outro não tinha ideia de onde poderia encontrá-la. Daí surgiu a brilhante proposta do "velho pai":

"Cinco anos sem inventar nada. Nada. Todo mundo fica com o celular que tem, com o Android que tem, o IOS que tem, com os aplicativos que tem e os canais de televisão que tem (...). Tinha que ser geral, com Biden, Merkel, China, ONU, com tudo: cinco anos sem inventarem nada. Nada. PQP: que saudades da secretária eletrônica".

Nós somos do tempo em que só havia telefone fixo sem secretária eletrônica, meia dúzia de canais de televisão, meia dúzia de marcas de carro, meia dúzia de partidos e marcas de cigarro. Não existia cartão de crédito nem de débito, não tinha celular nem motoboy. Computador e internet eram coisas de ficção científica, escrevia-se em pesadas máquinas de ferro nas redações, os jornais eram impressos em chumbo, os livros eram só de papel, as pessoas ainda diziam bom dia, boa tarde, boa noite, por favor, obrigado _ essas coisas de antigamente.

Aí chegou o progresso, e ordem não há mais. E agora querem acrescentar a palavra "amor" na nossa bandeira. De que adiantará? Cada vez mais pessoas vivem como cachorros de rua, brigando por ossos, enquanto bilionários fazem viagens pelo espaço, dando uma banana para o mundo. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres.

As fábricas deram lugar a bancos, mas não se usa mais cédulas de papel nem cheque, ninguém vê mais o dinheiro vivo ( só a turma das "rachadinhas" e dos "caixa dois"). Foi para isso que inventaram a nota de 200 reais? O gado, a soja e o garimpo avançaram alegremente sobre a floresta e os índios, depois que abriram a porteira da Amazônia em chamas, e o ar foi ficando cada vez mais irrespirável.

Prédios enormes derrubaram quarteirões de simpáticos sobrados geminados, em Pinheiros e na Vila Madalena (nasci num deles), os mares avançam sobre as cidades, outras são tomadas por imensas nuvens de poeira. Agora temos usinas nucleares e aviões supersônicos, carros que dispensam motoristas e andam sozinhos, robôs fabricando carros e fake news embalados por algoritmos em lugar de notícias. Bailinho virou balada, o país se urbanizou, mas a música sertaneja toma conta de todas as paradas, e um maluco passa todas as manhãs de domingo na minha rua, xingando o mundo. .

Tudo isso para quê, se falta comida na mesa de mais de 20 milhões de brasileiros e emprego para outros tantos? Se milhões de refugiados da guerra e da miséria perambulam pelo mundo em busca de abrigo e comida?

Não reivindico a volta dos sinais de fumaça, tambores e telégrafos para a gente se comunicar, mas concordo com Antonio e Mario. Fomos longe e rápido demais na busca de inovações, novidades e modernidades. O excesso de canais e plataformas, que geram trilhões de lucros para poucos, vão acabar inviabilizando a comunicação humana. Fica todo mundo digitando no celular, sem olhar para a pessoa a seu lado, na mesa do bar ou por onde anda nas ruas. Tem gente demais inventando coisas e gente de menos para usufrui-las com prazer.

Se Mario e Antonio sentem falta da secretária eletrônica, que já foi um grande avanço da humanidade, vejam só!, eu sinto saudades de tudo, mesmo sem sair do Brasil. Parece que levaram meu país embora, não sei para onde, sem aviso prévio.

Mas, pelo menos, a pandemia também está acabando. Tri-vacinado, já posso sair de casa para reencontrar os amigos, e lhes perguntar, singelamente: aonde vamos parar?

Vida que recomeça.