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OPINIÃO

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Antes ele não tivesse voltado das férias: agora, ameaça vacinação infantil

Jair Bolsonaro com Marcelo Queiroga: presidente e ministro unidos para sabotar a vacinação infantil - Divulgação
Jair Bolsonaro com Marcelo Queiroga: presidente e ministro unidos para sabotar a vacinação infantil Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

06/01/2022 15h47

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Em seu primeiro dia de trabalho este ano no Palácio do Planalto, depois de três semanas de férias na praia, o presidente Jair Bolsonaro se dedicou a sabotar a vacinação das crianças brasileiras.

Contrariado com o anúncio do início da vacinação infantil, informado na véspera pelo Ministério da Saúde, 20 dias após a autorização da Anvisa, Bolsonaro atacou a instituição em entrevista à Rádio Nova, de Pernambuco, seu primeiro compromisso do dia.

"A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião, quero dar para você aqui: a minha filha de 11 anos não será vacinada. E você tem que ler o que foi feito ontem no Ministério da Saúde, o encaminhamento disso daí, para você decidir se vai vacinar o seu filho ou não. Eu pergunto: você tem conhecimento de uma criança de 5 a 11 anos que tenha morrido de covid?"

Sim, se o presidente não sabe, algum assessor poderia informá-lo que, desde o início da pandemia, tivemos 6.163 casos de covid entre crianças, e 301 delas morreram.

"Lamentavelmente", como assim? Por que, presidente? O que autoriza o sr. presidente da República a dar opinião sobre um assunto de saúde pública, como fez no ano passado, ao atrasar a compra de vacinas para empurrar o seu "kit covid" e receitar cloroquina em lugar de vacinas?

Pior é que o seu ministro da Saúde, que é médico, o sabujo Marcelo Queiroga, reduzido a estafeta, faz declarações na mesma linha, colocando em dúvida a segurança e a eficiência das vacinas, no momento em que o mundo inteiro enfrenta uma nova onda da pandemia, com mais de 2 milhões de casos por dia, qualificada pela Organização Mundial da Saúde como "um verdadeiro tsunami".

Na contramão do mundo, em vez de convocar a população para se vacinar e levar suas crianças, o governo brasileiro faz uma campanha contra a imunização, criando obstáculos de toda ordem, como a de fazer uma consulta pública e exigir prescrição médica por ordem do seu presidente.

Foi necessária uma forte mobilização da sociedade científica contra este absurdo, que acabou sendo abandonado, no anúncio feito por Queiroga, também ele contrariado por ter que ceder no último momento, sem deixar de colocar mais minhocas na cabeça dos país, como fez na manhã de hoje, durante o lançamento do programa "Cuida Mais Brasil", ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que ele chamou de "mãe de todos os brasileiros".

Lá pelas tantas, ao falar sobre a importância da proteção às famílias, o ministro citou a morte de uma mulher grávida em maio do ano passado, que ele associou a um efeito adverso da vacina contra a Covid-19. Quem? Quando? Aonde? Isso ele não falou.

No melhor estilo Bolsonaro, no final da cerimonia, enfiou o dedo na cara de uma repórter da GloboNews e chamou os profissionais da emissora de "povo do mau agouro".

Queiroga estava muito irritado após ter sido chamado de "Queirodes" por um comentarista do canal, uma referência ao personagem bíblico Herodes, um rei tirano que mandou matar bebês.

Como se tivessem ensaiado o mesmo discurso, em sua entrevista à rádio, o chefe de Queiroga insinuou interesses escusos da Anvisa ao recomendar a vacinação infantil.

"O que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina? É pela sua vida? É pela sua saúde? Se fosse, estariam preocupados com outras doenças no Brasil, que não estão".

Quem não está preocupado com a saúde dos brasileiros é esse desgoverno irresponsável, negacionista e incompetente, que vem destruindo o sistema público de saúde para beneficiar empresas privadas.

A balbúrdia instalada no Ministério da Saúde ficou mais evidente na quarta-feira, dia 5, quando deveria ser anunciado o programa de vacinação infantil, prazo estabelecido por ordem do ministro Ricardo Lewandowski, do STF.

No horário marcado, assessores entravam e saiam do auditório, onde os jornalistas já estavam sentados, e as emissoras de notícias entravam ao vivo a todo momento, esperando o ministro dar início à cerimonia.

Com hora e meia de atraso, Queiroga informou que os primeiros lotes de vacinas devem chegar a partir do dia 14 e comunicou que o prazo entre a primeira e a segunda dose, estabelecida na bula da Pfizer em três semanas, foi ampliada para oito semanas "para dar maior segurança ao imunizante".

Na verdade, por demorar demais a fazer as encomendas à Pfizer, que não trabalha só para o governo brasileiro, nem haveria no Brasil as 40 milhões de vacinas suficientes para aplicar as duas doses, antes de dois meses, na população infantil.

Com isso, as escolas vão reabrir, em fevereiro, sem que a maioria das crianças tenha tomado as duas doses e ainda levará mais 15 dias para a imunização fazer efeito.

Bolsonaro e Queiroga não estão preocupados com isso, mas apenas com o calendário eleitoral.

Antes o presidente tivesse ficado na praia, e levasse junto seu ministro, para não atrasar ainda mais a vacinação infantil, que deveria ter começado no final do ano passado.

Eles só atrapalham, o presidente e seus ministros, como acontece desde o início da pandemia, há dois anos. Mas esse é certamente o crime mais grave, entre os tantos denunciados pela CPI da Covid, por ameaçar a vida do nosso futuro.

Vida que recomeça, se o governo deixar. Está demorando...