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OPINIÃO

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Lula X "esquerda do PT": a velha disputa que vem desde a origem do partido

Se Alckmin será ou não o vice, essa é uma decisão que dependerá somente de Lula: só a "esquerda petista" é contra. .  -  Foto: Ricardo Stuckert
Se Alckmin será ou não o vice, essa é uma decisão que dependerá somente de Lula: só a "esquerda petista" é contra. . Imagem: Foto: Ricardo Stuckert

Colunista do UOL

15/03/2022 16h59

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Na próxima sexta-feira, quando o Diretório Nacional do PT se reunir para discutir a campanha de 2022, projeta-se mais uma disputa entre Lula e aquela, genericamente, chamada "esquerda petista", que na verdade reúne várias tendências, e remonta à época da fundação do partido, em 1980.

Nunca vou me esquecer de um dos primeiros encontros do recém-fundado partido, na Câmara Municipal de São Paulo, quando eu trabalhava na Folha e já era amigo do Lula. Os debates estavam acirrados e alguns colegas da imprensa vieram me alertar: "Avisa teu amigo que se ele não tomar uma providência, vai perder o controle do partido hoje mesmo".

Como de costume, Lula reagiu como se eu fosse o culpado pelo problema:

"E o que você quer que eu faça? Chame a polícia?".

Não sei o que ele fez, mas não foi preciso chamar a polícia, e as teses de Lula acabaram vencendo o debate, assim como aconteceria em quase todos os outros embates partidários, até os dias de hoje, em que a "esquerda petista" discordava do seu principal líder.

Isso vem de loooonge, como diria Leonel Brizola. Vem das origens das várias correntes que formaram o PT. Lula vem do "novo sindicalismo" do ABC, surgido nas greves dos metalúrgicos e nos vários movimentos contra a ditadura que se espalharam pelo pais, no final dos anos 1970, com o apoio das pastorais operárias da igreja católica, dos movimentos sociais e de setores da intelectualidade, enquanto a "esquerda petista" reunia egressos da "geração 68", que voltavam da luta armada e do exílio no final da ditadura militar.

Desta vez, a divergência é em torno do nome que Lula escolheu para ser seu vice na campanha deste ano, o do ex-governador tucano Geraldo Alckmin, para sinalizar uma abertura aos partidos de centro, algo que ele considera vital na formação de uma aliança ampla, capaz de não só vencer a eleição, em que ele é o grande favorito até o momento, mas para implantar seu projeto de reconstrução nacional, após a tragédia federal do bolsonarismo.

Não é a primeira vez que isso acontece. Em 1989, na primeira das campanhas presidenciais após a ditadura, estes grupos também disputaram a indicação do vice, com vários nomes, que o candidato a presidente foi descartando. No fim, prevaleceu a indicação de Lula, o senador gaúcho José Paulo Bisol, do PSB, que poucos conheciam no partido.

Na campanha seguinte, em 1994, a disputa se deu não em torno do nome do vice, que era de novo Bisol, mas da coordenação da comunicação da campanha, que a "esquerda petista" venceu, e foi um desastre. Em maio daquele ano, Lula liderava as pesquisas, como agora, com o dobro de intenções de votos de FHC.

Lmebro-me que no lançamento oficial da sua candidatura, em Brasília, Lula brincou com os coordenadores da campanha, que eram da "esquerda petista":

"Viajando o país com meia dúzia de companheiros nas minhas caravanas, estou entregando a campanha agora ao partido com 40% nas pesquisas. Espero que vocês não me derrubem..."

Pois foi exatamente isso que aconteceu. A reação cretina ao lançamento do Plano Real por FHC fez as curvas das pesquisas se inverterem em poucas semanas, quando voltávamos de uma caravana pelo rio São Francisco.

Diziam os "capas pretas" que o plano era "eleitoreiro e recessivo", e eu só argumentei que precisavam escolher uma das duas hipóteses, pois nenhum plano eleitoreiro pode ser recessivo ao mesmo tempo. FHC ganhou no primeiro turno, com um pé nas costas, e o Plano Real sobreviveria à sua reeleição, em 1998.

Quatro anos depois, Lula avisou o partido que só seria candidato novamente se pudesse escolher a coordenação da campanha e sua equipe de comunicação, entregue a Duda Mendonça e a mim, mas surgiu um novo embate com a "esquerda petista" em torno do nome do vice.

"Preciso te apresentar o José Alencar, que vai ser meu candidato a vice", comunicou-me Lula no churrasquinho de fim de ano de 2001, no Instituto Cidadania, o seu escritório político.

Um dos maiores empresários do país, presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, senador pelo então PMDB, Zé Alencar era tudo o que Lula queria para formar a sonhada chapa "capital e trabalho", para espantar os que o chamavam de "comunista" porque defendia os trabalhadores.

Meses depois, num jantar dos dois no apartamento do banqueiro Olavo Setúbal, o "radical" Lula trocou de papel com o "moderado" Alencar para evitar uma briga, quando o dono do Itaú desdenhou do plano de governo apresentado pela campanha do PT.

"O império não vai deixar vocês fazerem isso!", repetia Setúbal a cada proposta de Alencar, que reagiu.

"Que império é esse, seu Setúbal? Se não deixarem, nós vamos pegar em armas", retrucou, o que fez Lula pegar no seu braço para pedir calma. O império, claro, eram os Estados Unidos.

Como sabemos, Alencar foi o leal e competente vice de Lula, no primeiro e segundo governos, e só não foi seu sucessor porque enfrentava graves problemas de saúde no final do mandato, depois de parte da "esquerda petista" deixar o partido por não querer se aliar a um empresário.

Isso me fez lembrar um episódio da "Caravana das Águas", em 1994, pelo rio Amazonas, quando Lula viajava de barco e parava nas cidades ribeirinhas para conversar com quem nunca tinha visto de perto um candidato a presidente.

A certa altura, um dirigente do PT local puxou Lula de lado para fazer uma queixa. "O pessoal aqui do partido diz que não posso ser presidente do diretório porque sou burguês. Sabe o que é? Só porque eu tenho um carro próprio".

Mal comparando, não é muito diferente do que está acontecendo agora com Alckmin, execrado pela "esquerda do PT", em campanha contra o tucano que Lula escolheu para parceiro. Com isso, só conseguiu fazer com que Alckmin ganhasse mais espaço na mídia do que o próprio Lula.

É tudo jogo de cena para garantir votos na "esquerda petista" nas eleições parlamentares, uma bobagem sem futuro.

O que eles vão fazer se Lula perder esse embate e desistir de ser candidato? Vão apoiar quem? Vão criar outro PSOL?

Adivinhem quem vai ganhar essa queda de braço na sexta-feira. Quantos votos, afinal, têm Rui Falcão & cia. na fila do pão?

Com companheiros assim, Lula nem precisa de adversários.

Mas, falando sério, a situação do país hoje é tão dramática que, numa hora dessas, não dá para mais ninguém brincar de "revolucionário puro-sangue".

1968 só não acabou naquele grande livro do Zuenir Ventura, mas o buraco hoje é muito mais embaixo.

O que está em jogo não é uma eleição, mas o futuro do nosso país. O adversário, companheiros, não é o Alckmin.

Vida que segue.