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OPINIÃO

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Só faltava Fernando de Noronha para o governo federal "passar a boiada"

Governo federal firmou concessão de uso sobre Fernando de Noronha com Pernambuco em 2002. Constituição de 1988 reincorporou a área ao estado - Foto: Arquivo/Agência Brasil
Governo federal firmou concessão de uso sobre Fernando de Noronha com Pernambuco em 2002. Constituição de 1988 reincorporou a área ao estado Imagem: Foto: Arquivo/Agência Brasil

Colunista do UOL

26/03/2022 14h12

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Esta semana, do nada, Jair Bolsonaro teve uma ideia: anexar Fernando de Noronha, que pertence a Pernambuco, aos domínios federais.

Mas, ao invés de bombardear a Ucrânia, como Putin fez para anexar as províncias separatistas da região do Donbass, ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal, para fazer tudo "dentro das quatro linhas".

Mais do que depressa, a Advocacia Geral da União, comandada por Bruno Bianco, que era da equipe de Paulo Guedes, sempre solícito aos desejos do presidente, protocolou na quinta-feira no STF um pedido de liminar em ação civil contra o Estado de Pernambuco para solicitar o "domínio sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha".

A troco de quê? Há alguma ameaça de invasão no ar? Temo que o objetivo não declarado seja o de "passar a boiada", na única região do país ainda a salvo do projeto de destruição nacional deflagrado em 1º de janeiro de 2019, com a posse do capitão e seus generais.

Assim como já quis transformar Angra dos Reis na "nova Cancun", para poder pescar sossegado sem ser multado pelo Ibama, Bolsonaro agora sonha em abrir Fernando de Noronha para o liberou geral do turismo predatório, com a entrada de grandes navios transatlânticos e, quem sabe, a construção de cassinos e resorts de luxo. Na melhor das hipóteses, pode transformar o arquipélago num grande quartel.

Pouco mais de seis meses antes de encerrar seu mandato, ele continua disposto a não deixar pedra sobre pedra antes de entregar o cargo.

Desde que foi descoberta por Américo Vespuccio, em 1503, a ilha pertence a Pernambuco, que só não teve o domínio por 46 anos, entre 1942 e 1988, quando foi um território federal, entregue à administração das Forças Armadas, por sua posição estratégica na época da Segunda Guerra Mundial.

A guerra, como sabemos, acabou em 1945, mas os militares gostaram tanto do que encontraram lá que continuaram controlando a região até 1988, quando a nova Constituição Cidadã do dr. Ulysses Guimarães mandou devolver a ilha ao patrimônio de Pernambuco.

Bolsonaro não deve saber, mas quem cuida de preservar o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, que corresponde a 70% do arquipélago, já é um órgão federal, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), com quem o governo estadual mantém excelentes relações.

Com regras rígidas para a entrada de turistas, que precisam pagar uma taxa que não é barata, limitação de voos e controle de novas edificações, Noronha consegue manter suas belezas naturais e é um dos mais belos cartões postais do país. Tudo agora corre risco se o STF acatar o pedido da AGU, mas não acredito que isso possa acontecer. Já basta o que estamos vendo de destruição na Amazônia, e no resto do país.

Habitada por apenas 3 mil moradores fixos, em sua maioria pescadores e donos de pequenos comércios, a ilha resistiu e vivia em paz até a chegada do bolsonarismo ao poder, botando olho grande naquele paraíso.

Com todas as atenções voltadas esta semana para os escândalos dos pastores da grana que tomaram conta das emendas secretas no Ministério da Educação, esta pode ser apenas mais uma ação diversionista para distrair o eleitorado, dando tempo ao presidente para pensar no que vai fazer com Milton Ribeiro.

Ainda bem que já estive lá em 2008, o presente de aniversário que me dei ao fazer 60 anos (era a única região brasileira que ainda não conhecia), antes do governo federal ter essa ideia de anexar o território. Corram para conhecer esta maravilha, enquanto é tempo.

Em nota oficial, o governo de Pernambuco, como o da Ucrânia, já avisou que vai resistir:

"Fernando de Noronha sempre fez parte de Pernambuco (...). É um orgulho do povo pernambucano e vai continuar sendo".

Bom fim de semana.

E vida que segue.

Em tempo:

Acabei de ler a coluna de Vinicius Torres Freire, da Folha, que foi publicada aqui no UOL:

"Pior que inflação, Brasil corre o risco de comer poeira do deserto".

É o melhor resumo sobre o Estado da Nação publicado este ano na imprensa brasileira.

Dá até medo, e causa uma grande indignação, mas não deixem de ler.

É cruel, porém absolutamente real. Com esse governo e essa oposição, vejam o que nos espera.

Tudo que está ruim pode piorar, se o país não acordar a tempo.