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OPINIÃO

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A estranha demora do favorito: o que falta para Lula entrar em campanha?

Lula durante lançamento de pré-candidaturas na Bahia esta semana: por enquanto, só eventos em recintos fechados - Reprodução/Twitter
Lula durante lançamento de pré-candidaturas na Bahia esta semana: por enquanto, só eventos em recintos fechados Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

03/04/2022 15h34

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Com agenda de candidato, discurso de candidato, articulações de candidato, entrevistas de candidato, líder absoluto em todas as pesquisas, Lula só não cravou ainda que será candidato em 2022. O que falta para a sua campanha começar para valer? Afinal, a partir de hoje, agora só faltam seis meses para a abertura das urnas.

Em nenhuma das suas cinco campanhas presidenciais anteriores, a campanha dele demorou tanto para pegar no tranco.

Lula já entrava no ano eleitoral com seu time escalado, cada um sabendo o que deveria fazer, as linhas mestras do seu programa de governo definidas e preparados roteiros de viagens pelo país.

Sem contatos com Lula e o PT há mais de seis meses, por razões que desconheço, tento adivinhar os motivos desta estranha demora em botar o bloco na rua.

Assim como eu, penso que muitos leitores/eleitores não estão entendendo o que se passa no silencioso QG petista, que só está assistindo às evoluções dos concorrentes passando pela janela, sem esboçar reação.

É fato que desta vez temos a pandemia no caminho, preocupações com a segurança dele e maiores restrições do Tribunal Superior Eleitoral para evitar campanhas antecipadas, mas Lula é o único que ainda não teve a pré-candidatura oficializada pelo partido. Por enquanto, a campanha está restrita a encontros com movimentos sociais, artistas e políticos em recintos fechados.

Outros candidatos já entraram e saíram da campanha, depois desistiram de desistir, o cenário se move a cada semana, e o ex-presidente continua jogando parado.

Não sei qual é a estratégia, mas é fato também que o principal adversário, o presidente Bolsonaro, candidato à reeleição, há tempos deixou de governar o país para se dedicar em tempo integral à campanha, ou seja, para atacar Lula, dia sim, e no outro também.

Até aqui, na verdade, temos apenas um time em campo, jogando sozinho e por vezes tropeçando nas próprias pernas, mas é bom saber que esta corrida eleitoral não será um passeio, como chegou a se imaginar no ano passado, quando o ex-presidente subia nas pesquisas na mesma proporção em que o atual presidente despencava, com o agravamento das múltiplas crises em que meteu o país.

Há, a meu ver, uma crise de criatividade e de iniciativas na campanha do PT, como se pode notar nas inserções da propaganda do partido na TV, em que só Lula aparece, repetindo velhos chavões, com testemunhos de eleitores sobre os seus governos passados, sem apresentar novas propostas para tirar o país do buraco.

Dedicado a montar palanques estaduais, costurar alianças e coordenar grupos de trabalho para elaborar o programa de governo, Lula ficou preso às telas das vídeo-conferências e com isso se distanciou dos eleitores e da vida real, num país que sofreu profundas transformações _ para muito pior _ nos últimos anos.

Vivemos hoje um tempo de emergência, em que a maior parte da população luta apenas para sobreviver, e é preciso fazer algo concreto, com gestos e palavras de ordem, propostas e projetos, para romper o conformismo e o desânimo dos eleitores bombardeados diariamente com fake news e ameaças dos atuais donos do poder. É preciso dar argumentos aos eleitores para mostrar a importância de defender a democracia ameaçada, confrontar os arautos da barbárie.

Esta não é apenas mais uma eleição prevista no calendário do TSE, em que se pode fazer campanha com os mesmos instrumentos, discursos e modelos de campanhas passadas. A batalha hoje se dá no submundo das milícias armadas nas redes antissociais, nos quartéis e nos tribunais sabujos, como aconteceu em 2018.

É talvez a última chance que nós temos de levantar a cabeça e resgatar a confiança em dias melhores, antes que o país seja completamente destruído. O tempo urge, não dá mais para normalizar o inconcebível, mais quatro anos de descalabro.

Submetidos a empregos precários, metade dos brasileiros vive em insegurança alimentar, não tem como se defender das enchentes que se repetem por toda parte, das balas perdidas das polícias e das milícias. Nosso povo vive em permanente estado de desespero. Não tem nem como se revoltar porque lhe faltam forças para reagir.

Lula, certamente, deve saber de tudo disso, mas é preciso que ele saia da sua zona de conforto, sem mais demora, para não deixar a esperança morrer na praia. Costumo brincar que Lula pode não ser grande coisa, um gênio da raça, mas foi o único que sobrou. Se não for ele, quem pode impedir a repetição da tragédia de 2018?

Todas as tentativas de "terceira via" fracassaram, como vimos na última semana.

Sai logo pra rua, nego velho, ali é o teu lugar. Volta pra de onde você veio, pega o peão a unha, como fazia o Lula da Vila Euclides para enfrentar a ditadura.

O dia 2 de outubro já está chegando.

Vida que segue.

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