Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Atos antidemocráticos e a liberdade: general Mourão, por que não te calas?
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Na entrada do anexo do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete do vice-presidente, o general Hamilton Mourão criou seu próprio "cercadinho".
Ali ele desce do carro oficial e já vai logo conversar com os jornalistas à sua espera, com a habitual fleugma da caserna, de quem está com a vida ganha, minimizando qualquer assunto mais polêmico, como se estivesse comentando o jogo de domingo do Flamengo.
No começo do governo, ele funcionava como uma espécie de intérprete oficial das falas bizarras do presidente, tentando explicar o que Bolsonaro queria dizer.
Com o tempo, ganhou vida própria, analisando as notícias do dia do seu ponto de vista, e não necessariamente do governo, o que começou a incomodar o presidente.
Nesta segunda-feira, ele avançou o sinal para defender os atos antidemocráticos com ataques ao Supremo Tribunal Federal promovidos por bolsonaristas no domingo.
Em lugar de colocar panos quentes, como costuma fazer, acabou jogando mais lenha na fogueira que arde nas relações entre os Três Poderes, desde a condenação do deputado Daniel Silveira, sumariamente indultado por Bolsonaro logo em seguida.
Questionado sobre os pedidos dos manifestantes bolsonaristas no 1º de Maio para o fechamento do STF e a volta da ditadura militar, que são crimes contra o Estado Democrático de Direito, ele foi peremptório:
"Liberdade de expressão! Tem gente que quer isso, mas a imensa maioria do povo não quer", respondeu na lata, sem parar para pensar duas vezes.
Como assim? Não, general Mourão, não se trata de mera "liberdade de expressão": foi exatamente por cometer estes crimes, entre outros, que Silveira acabou condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, teve o mandato cassado e tornou-se inelegível.
Outro dia ele riu ao ser perguntado sobre as denúncias de torturas durante a ditadura militar: "Vai apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô".
Não se brinca assim com a nossa frágil democracia, reconquistada a duras penas, depois de 21 anos de intervenção militar no país.
Bastava ter lido antes o que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, escreveu nas redes sociais sobre os atos bolsonaristas, na noite de domingo:
"Manifestações ilegítimas e antidemocráticas, como as de intervenção militar e fechamento do STF, além de pretenderem ofuscar a essência da data, são anomalias graves que não cabem em tempo algum".
Bolsonaro já havia manifestado sua solidariedade em mensagens enviadas aos golpistas, que foram às ruas para defender Daniel Silveira e não para comemorar o Dia do Trabalhador, mas desistiu de proferir discursos incendiários contra as decisões do Supremo Tribunal Federal, como fez no 7 de setembro, para não esticar demais a corda, aconselhado por seus mentores do Centrão.
Ao mesmo tempo em que o presidente cumprimentava o "pessoal que está aqui na manifestação pacífica em defesa da Constituição, da democracia e da liberdade", seus seguidores exibiam faixas e cartazes, até em inglês, contra as instituições, pedindo que ele "exerça seu poder constitucional" para restabelecer o regime militar. Em Brasília, uma faixa estendida num trio elétrico pedia "a criminalização do comunismo e a destituição dos 11 ministros do Supremo".
No final do dia, tive um péssimo pressentimento. Os discursos nos carros de som e os dizeres das faixas estendidas nas manifestações, a volta do fantasma do comunismo e o tom de beligerância em cada frase me fizeram lembrar os dias que antecederam a queda do presidente João Goulart, em 1964.
No final do vídeo ao vivo, reproduzido no telão instalado na avenida Paulista, Bolsonaro voltou a falar em "Deus, pátria e família", o mesmo lema dos golpistas daquela época.
A diferença agora é que se prepara um golpe a favor, e não contra o presidente, caso ele perca a eleição.
Vida que segue.
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