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OPINIÃO

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Brasil discute medidas de prevenção de incêndio com país pegando fogo

General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)   - Marcello Casal Jr / Agência Brasil
General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Imagem: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Colunista do UOL

06/05/2022 11h57

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A nova ofensiva desencadeada ontem pelo capitão e seus generais contra o TSE, para criar mais confusão e melar o processo eleitoral, com auditorias privadas e questionamentos sobre a segurança das urnas eletrônicas, me dá a impressão de que estamos discutindo medidas de prevenção de incêndio numa casa que já está em chamas.

Como escrevi na coluna anterior, o golpe teocrático-miliciano já se encontra em marcha batida, em plena luz do dia, e só não se sabe ainda se será consumado antes ou depois da abertura das urnas, a depender do cenário desenhado pelas pesquisas eleitorais.

Uma coisa é certa: Bolsonaro e os militares já deixaram claro que não admitem deixar o poder por nada nesse mundo. O voto popular para eles é apenas um detalhe.

Para mostrar que não estão brincando, o presidente apresentou-se na live de quinta-feira ao lado do general Augusto Heleno, o poderoso chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), agora investido no papel de comandante das operações palacianas contra o TSE, já envergando aquele colete que os fotógrafos usam na cobertura de guerras.

Ao anunciar e justificar a contratação de autoria externa pelo PL, o seu novo partido nesta eleição, para assegurar a vitória do ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva, Bolsonaro resolveu partir logo para o deboche:

"Já que pesquisas dizem que o senhor Lula tem 40%, o Lula vai ganhar, quero garantir a eleição do Lula com esse processo aqui. Ninguém precisa fazer campanha pro Lula, não", referindo-se a decisões do TSE e do STF que atingiram seus apoiadores.

Pode-se imaginar o salseiro que vai acontecer, se resolverem fazer o mesmo, os mais de 30 partidos que disputarão as eleições gerais, cada um com sua auditoria particular para contestar a apuração do TSE e judicializar o processo.

Os resultados só seriam divulgados muitos meses depois de outubro ou, quem sabe, nunca iremos saber quem ganhou as eleições. Nesta hora, as Forças Armadas seriam chamadas para colocar ordem no recinto.

Com muita ironia e cinismo, o capitão disse que só quer colaborar com a Justiça Eleitoral: "É o momento para o TSE mostrar para o mundo, a partir dessa empresa que vai fazer auditoria, que temos o sistema mais confiável no mundo no tocante às eleições".

Mas o que ele quer provar mesmo, "no tocante às eleições", é que o sistema é inauditável e, portanto, sujeito a fraudes. E ameaçou: "O TSE pode ficar em situação complicada".

Como se tivesse sido previamente combinado, pouco antes da live, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, deu mais uma intimada no TSE para divulgar as respostas aos 88 questionamentos apresentados pelos militares sobre a segurança das urnas.

No ofício enviado ao presidente do TSE, ministro Edson Fachin, o general afirma que o pedido foi feito "em face da impossibilidade de ver concretizada a reunião solicitada por este ministro a Vossa Excelência", o que não é verdade.

Nogueira já foi recebido duas vezes por Fachin e, na quarta-feira, fez um novo pedido de audiência para o mesmo dia, como se o ministro não tivesse mais o que fazer.

Está tudo fora de hora e de lugar. Desde quando é papel das Forças Armadas interferir desta forma no processo eleitoral, enviando cobranças, sugestões e propostas para que se "reduzisse ao máximo a possibilidade de fraude", como disse o presidente na live.

De onde vem toda essa preocupação, se nunca foi constatada qualquer fraude nas eleições desde a implantação das urnas eletrônicas, em 1994?

"Alguns dizem que quero dar golpe. Como quero dar golpe se já sou o presidente?", perguntou Bolsonaro na live, candidamente. Pois é este o problema: Bolsonaro quer continuar sendo presidente, a qualquer preço, com o apoio fardado, independentemente do resultado da eleição.

O que se discute no momento no país é exatamente a possibilidade de um autogolpe, em caso de derrota, como o vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a especular durante a campanha eleitoral de 2018, assim de passagem, numa entrevista à GloboNews.

Enquanto isso, com o país pegando fogo por toda parte, continuamos discutindo medidas de prevenção de incêndio nas reuniões entre representantes dos Três Poderes, um teatro que se repetiu esta semana para distrair a distinta plateia, cada vez mais assustada com o ritmo acelerado dos acontecimentos.

Vida que segue.