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Bolsonaro investe em armar apoiadores civis no campo para melar as eleições
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Sem saber ainda com quantos batalhões e seus generais pode contar em sua ofensiva golpista contra as eleições de outubro, Bolsonaro investe agora para armar os seus apoiadores civis no campo, em frequentes incursões pelas feiras agropecuárias, onde tem montado comícios de campanha nas últimas semanas, com direito a motociatas e cavalgadas.
Nesta quarta-feira, em Maringá (PR), fez mais um discurso ameaçador sobre armas e eleições, que passou praticamente despercebido pela mídia. Ninguém deu manchete ou chamada de primeira página. Tudo vai sendo normalizado, naturalizado, já não causa indignação, como se o Brasil fosse assim mesmo. Que se vai fazer?
Bolsonaro se vale do fato de que ele e setores mais radicais do chamado agro têm inimigos comuns: os sem-terra, os posseiros e os indígenas, com quem, historicamente, disputam espaços de terra, ao lado de garimpeiros, grileiros e desmatadores, que já deixaram legiões de vítimas pelo caminho (tema do meu livro "Massacre dos Posseiros -Conflito de Terras no Araguaia Tocantins", de 1981, editado pela Brasiliense).
Foi para esse público que o presidente discursou:
"Somente os ditadores temem o povo armado. Eu quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo para resistir, se for o caso, à tentação de um ditador de plantão. O Brasil tem uma área cobiçada por muitos países, a região amazônica. E para vocês, família brasileira, a arma de fogo é defesa da mesma e é reforço para as nossas Forças Armadas porque o povo de bem armado jamais será escravizado".
E completou, aumentando o tom: "Pior do que ameaça externa é a ameaça interna de comunização".
Foi aplaudidíssimo pela plateia verde-amarela, que o chama de "Mito", e leva a família inteira para tirar selfies.
Quem são esses "ditadores", quais são os "cidadãos de bem", de onde e de quem vem essa ameaça de "comunização"?, isso ele não explicou, mas dá para imaginar.
Armas e eleições são temas que sempre aparecem juntos nos seus últimos discursos agropastoris, em que dissemina desconfianças sobre o processo eleitoral e as urnas eletrônicas.
Não é por acaso. Quem mais ameaça a sua reeleição, na verdade, são exatamente as urnas, como mostram todas as pesquisas presidenciais para 2022.
"Todos têm que jogar dentro das quatro linhas. Nós não tememos resultados de eleições limpas. Nós queremos eleições transparentes, como a grande maioria ou diria a totalidade do seu povo".
Quem não quer? Por acaso são os adversários, a mídia, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, os três alvos sempre atacados em suas falas?
No momento em que a campanha entra em sua fase decisiva, sem que consiga recuperar a popularidade perdida, o capitão presidente trocou o "cercadinho" do Alvorada pelos fiéis das feiras agropecuárias, entre uma e outra visita a templos e quartéis, para estimular o armamento da população civil e apontar inimigos imaginários do seu desgoverno, cada vez mais afundado na grave crise econômica que assola o país.
Para quem passou a campanha eleitoral fazendo "arminha" com os dedos e já ameaçou "metralhar a petralhada" no Acre, era de se esperar que o número de armas nas mãos da população civil mais que triplicasse no atual governo, segundo os registros da Polícia Federal. Do total de 51 mil armas liberadas no governo Temer, passou-se a 94 mil, em 2019, a 177 mil, em 2020, e só nos seis primeiros meses de 2021 foram mais 97 mil. E esses números não param de crescer, sem contar o armamento que não tem registro.
A maior alta foi registrada nas Regiões Norte e Centro-Oeste, exatamente onde o agronegócio é dominante, os conflitos agrários por disputa de terras são mais comuns e Bolsonaro registra o melhor índice nas suas intenções de voto.
"Onde as instituições não chegam, o que vale é a lei do mais forte", resume o economista e técnico do Ipea Daniel Cerqueira, em reportagem de Caíque Alencar, na Veja, que começa assim: "Reflexo da obsessão de Jair Bolsonaro em armar o povo, o arsenal em poder dos cidadãos comuns passa por uma escalada jamais vista na história do Brasil".
Estimular o bangue-bangue entre cidadãos brasileiros é tudo o que o capitão quer para promover uma convulsão social, convocar seus generais e melar as eleições de outubro. Se eles não atenderem ao chamado, sempre restarão as polícias militares e suas milícias, cada vez mais armadas, "dentro das quatro linhas", é claro.
Em tempo: uma imagem vista ontem em Juiz de Fora (MG), durante a visita do pré-candidato Lula, que circulou nas redes sociais, mostra bem o que nos espera. Numa praça perto do aeroporto, um PM colocou-se ao lado de manifestantes bolsonaristas e apontou a arma, aos gritos, para um grupo de sem-terra que foi recepcionar o petista. E não aconteceu nada.
Vida que segue.
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