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Herança maldita: o maior castigo para Bolsonaro será ele ganhar a eleição
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"Quebramos o Banespa, mas elegemos o Fleury", proclamou o então governador paulista Orestes Quércia, em 1990, quando ainda não havia reeleição.
Banespa era o Banco do Estado de São Paulo, que logo seria privatizado, e Luiz Antônio Fleury foi o sucessor que Quércia elegeu, raspando os cofres públicos.
Sem recursos, torrados pelo padrinho para elegê-lo, Fleury ganhou uma herança maldita e fez um governo medíocre.
Se Quércia quebrou um banco estatal para ganhar a eleição a qualquer custo, corremos agora o risco do atual presidente quebrar um país inteiro para se reeleger a qualquer preço, como já está acontecendo.
De PEC em PEC, daquela dos precatórios à de bondades para a compra de votos, Jair Bolsonaro já detonou várias vezes o teto de gastos, arrombou o Orçamento e vai deixar uma dívida incalculável para o próximo governo pagar.
Com medo de ser preso ao deixar o governo, o presidente está transtornado com a perspectiva de ser derrotado em outubro, como informa Mônica Bergamo na Folha de hoje.
Neste modo desespero, em que vem operando nos últimos meses, o capitão obriga o ministro da Economia Paulo Guedes a fazer qualquer negócio para ele subir nas pesquisas, que lhe são amplamente desfavoráveis, a 60 dias da eleição. "Às favas com os escrúpulos", como já se disse na decretação do AI-5 em 1968.
Bolsonaro só não pensou numa coisa: se tudo der certo, ele estará ferrado.
Desta vez, a herança maldita cairá no seu próprio colo. O capitão será obrigado a administrar a massa falida por mais quatro anos, sem poder colocar a culpa no antecessor, fazendo o que ele menos gosta de fazer: governar o país, um fardo pesado demais, como já reclamou tantas vezes, para quem saiu direto do baixo clero da Câmara para a Presidência da República.
Se essa desgraça acontecer, Bolsonaro herdará um país mais pobre, em todos os campos e sentidos, do que quando assumiu, como mostrou recente reportagem de Alexa Salomão, na Folha, ao fazer uma biópsia do seu governo:
"Reduziu investimentos públicos, avançou pouco na agenda de reformas e travou o Bolsa Família, deixando a fila do programa crescer. Com a crise social se agravando, a três meses da eleição, presidente e aliados encampam uma PEC para distribuir R$ 41,2 bilhões em auxílios".
Basta citar um dado da reportagem para mostrar o empobrecimento da população: o rendimento médio caiu de R$ 2.823 no início do seu governo, em 2019, para R$ 2.613 no trimestre de março a maio deste ano, segundo o IBGE. O PIB per capita recuou para os patamares de 2007: R$ 41 mil, ou R$ 31 mil a menos do que o pico de 2011, primeiro ano do governo de Dilma Rousseff.
Para contornar a lei eleitoral, o pacote incluiu um decreto que colocou o Brasil em "estado de emergência" por conta do aumento do preço dos combustíveis.
Era uma farsa tão grande que, de lá para cá, esses preços não pararam de cair, mas o pais continua vivendo num permanente estado de calamidade pública, mergulhado na inflação e na fome, que atinge 33 milhões de brasileiros, com as famílias de sem teto e desempregados se multiplicando pelas calçadas, e as queimadas na Amazônia afugentando os investidores estrangeiros.
Logo após a posse, em 2019, num encontro com setores da direita americana em Washington, Bolsonaro anunciou que primeiro precisaria destruir o que os governos anteriores fizeram, para só depois começar a erguer um novo país. Até agora, cumpriu apenas a primeira parte do plano.
Sem qualquer programa de governo para tirar o país do buraco, ele agora quer um novo mandato. Para quê?
Na verdade, quer apenas um habeas corpus preventivo para escapar da Justiça e completar sua obra de destruição dos alicerces democráticos, dos valores republicanos e das políticas públicas permanentes, substituídas a toque de caixa pelo Auxílio Brasil provisório, às vésperas da eleição, entre outras benesses. .
"Saio do Brasil se o nove dedos voltar", disse o capitão a um grupo de deputados em janeiro deste ano, referindo-se ao ex-presidente Lula, que já liderava todas as pesquisas, como até hoje. "Para mim, é inadmissível perder o poder para o PT", justificou.
Bolsonaro também já disse várias vezes que só Deus o tira da cadeira de presidente e que só sairia morto do Palácio do Planalto. Mas, já prevendo o pior, por via das dúvidas, seus aliados buscam agora uma rede de proteção, sob a forma da criação de um cargo de senador vitalício para lhe garantir o foro privilegiado.
Esquecem-se que, ganhando ou perdendo a eleição, os processos vão continuar, no STF ou na primeira instância.
Entramos agora na fase do vale tudo. Vale até sequestrar as comemorações do bicentenário da Independência, transferindo o desfile militar no Rio de Janeiro da avenida Presidente Vargas para a praia de Copacabana, convocando seus seguidores fiéis para se misturarem aos soldados num grande comício bolsonarista a beira mar, que certamente, se tudo der certo, nos submeterá a um novo vexame mundial.
Assim como Dom Pedro ! proclamou a "Independência ou Morte!" com o Grito do Ipiranga, o capitão também quer garantir a reeleição no grito, na bala ou no tapetão verde-oliva do golpe, nem que seja para quebrar o país.
Orestes Quércia, quem diria, fez escola para Bolsonaro. Para eles, só é feio perder a eleição.
Vida que segue.
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