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OPINIÃO

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General Xandão entrará na História como quem garantiu vitória da democracia

Alvo de bolsonaristas, Alexandre de Moraes, atual presidente do TSE, não se intimidou com ameaças e cumpriu a lei  - Reuters
Alvo de bolsonaristas, Alexandre de Moraes, atual presidente do TSE, não se intimidou com ameaças e cumpriu a lei Imagem: Reuters

Colunista do UOL

02/11/2022 17h23Atualizada em 03/11/2022 15h06

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Vitórias sempre têm muitos pais; derrotas costumam ser órfãs.

Entre os vencedores da eleição de 30 de outubro, além de Lula e seus mais de 60 milhões de eleitores, o personagem que não pode ser esquecido pela História é um advogado paulistano, de 53 anos, calvo e corpulento, que costuma trabalhar com uma capa preta sobre os ombros.

É o jurista, magistrado e professor Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, popularmente chamado de Xandão, o general civil e desarmado que se tornou o grande guardião da Constituição de 1988. Sem ele, a História destas eleições poderia ter sido bem diferente, com um final trágico.

Foi Xandão quem garantiu a vitória da democracia no domingo passado, desarmando os biltres aloprados que tentaram se eternizar no poder à força, depois de quase 4 anos de ameaças autoritárias, roubalheiras e desmandos de toda ordem.

A penúltima tentativa golpista fracassada aconteceu no próprio dia da eleição, quando a Polícia Rodoviária Federal, por ordem do governo, bloqueou estradas do Nordeste para impedir os eleitores do PT de chegar às zonas eleitorais. Xandão agiu com presteza e ameaçou prender o diretor-geral da PRF se não cessasse imediatamente a operação golpista.

No dia seguinte, a mesma corporação, controlada diretamente pela família Bolsonaro, deu cobertura à ação de caminhoneiros grevistas, inconformados com a vitória de Lula, que pediam a intervenção militar. Era mais uma tentativa de melar as eleições.

Em vez de desbloquear as estradas, as tropas da PRF a tudo assistiam impávidas, conversando alegremente com os vândalos, até que Xandão, sempre ele, já tarde da noite, baixasse uma ordem expressa para a desobstrução imediata das estradas e convocasse as polícias militares estaduais para também entrar em ação.

O número de bloqueios, que chegou a passar de 400 nas principais rodovias do país, em quase todos os estados, logo cairia pela metade e hoje não passava de 150. Por ordem do presidente do TSE, donos dos caminhões parados seriam multados em mais de R$ 18 milhões até as 17h30 de hoje, e motoristas mais renitentes foram presos. O omisso chefe da PRF poderia pagar uma multa de R$ 100 mil por hora de desobediência.

Enquanto o capitão balbuciava um discurso de dois minutos no Palácio da Alvorada, na terça-feira, depois de se manter 45 horas em obsequioso silêncio, sem reconhecer a derrota nem citar o nome de quem ganhou as eleições, e ainda justificar a revolta dos caminheiros por "injustiças no processo eleitoral", criticando apenas os métodos, Alexandre de Moraes restabelecia a ordem no país, com o apoio dos demais ministros dos tribunais superiores e dos governadores.

Se um só homem era capaz de manter o país em suspense diante das novas ameaças dos seus devotos mais fanáticos, que foram para a frente dos quartéis no Dia de Finados pedindo intervenção militar, já em modo delírio, outro homem teve a coragem de enfrentá-lo, protegido apenas pelas leis: era o general Xandão, odiado pelos bolsonaristas, mas admirado pelos democratas de todas as latitudes, que se uniram numa frente ampla formada por partidos e entidades da sociedade civil em defesa da democracia _ e venceram o arbítrio nas urnas.

Moraes não é um magistrado pop, como muitos dos seus pares, sempre em busca de holofotes e polêmicas; ao contrário, é um profissional discreto, formal, que só fala o necessário nos autos dos processos.

É o que se pode chamar de o sujeito certo, no lugar certo, na hora certa, o homem providencial que cumpriu com honra seu papel na História. Durante toda a campanha, ele arrostou sozinho, com elegância, os militares que tentaram, a mando de Bolsonaro, interferir no seu trabalho e colocar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Amanhã, as instituições preservadas darão inicio ao processo de transição de governo e, no próximo dia 19 de dezembro, serão diplomados os vencedores, que tomarão posse no dia 1º de janeiro de 2023, dando por concluído o trabalho do presidente do TSE, que deverá ser para sempre lembrado pelos futuros historiadores da democracia brasileira.

Para ser bem-sucedido na missão, Alexandre de Moraes contou com sua experiência de promotor público em São Paulo, secretário de Segurança Pública no governo de Geraldo Alckmin, quando teve que enfrentar o crime organizado, e depois ministro da Justiça do governo de Michel Temer, que depois o nomeou para o Supremo Tribunal Federal, em 2017.

Justiça se lhe faça: general Xandão, do alto da sua toga, pode não ser o rei da simpatia, mas foi impecável e implacável na aplicação das leis.

A democracia venceu.

Vida que segue