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OPINIÃO

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Foi morfina? Defesa de Bolsonaro se inspirou em piada de motorista bêbado?

Bolsonaro foi comparado ao personagem Chaves após depoimento à PF - Reprodução/Redes Sociais
Bolsonaro foi comparado ao personagem Chaves após depoimento à PF Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Colunista do UOL

27/04/2023 12h18

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Houve uma época em que se contava muita piada de lusitano burro no Brasil. Mas, com o tempo, isso foi mudando de lado e hoje se conta é muita piada de brasileiro burro em Portugal.

O marquetólogo Fábio Wajngarten e demais advogados contratados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro acabam de contribuir com esse repertório de piadas contadas sobre nós na velha terrinha, ao apresentar uma inacreditável estratégia de defesa que só pode ter sido elaborada por algum inimigo do ex-presidente.

Custei a acreditar que era verdadeira a versão dada por Wajngarten, segundo a qual Bolsonaro contou em depoimento à Polícia Federal, na quarta-feira, que estaria sob o efeito de remédios quando compartilhou "sem querer" postagem golpista sobre fraudes nas urnas eletrônicas logo após o 8 de Janeiro, na época em que estava homiziado nos Estados Unidos.

Pensei que fosse apenas mais uma fake news da turma para mudar de assunto, mas não. O ex-chefe da comunicação do governo realmente colocou a culpa na maldita da morfina por Bolsonaro ter publicado no WhatsApp a mensagem de um desconhecido procurador sobre o resultado das eleições, que só queria compartilhar com ele mesmo "para ler mais tarde". Só acreditei vendo a gravação da fala à noite na TV.

Isso me fez lembrar uma velha piada de motorista português, que começou a xingar o guarda rodoviário de tudo quanto é nome, quando seu carro foi parado na estrada por estar dirigindo com excesso de velocidade. Como o marido já estava querendo bater no guarda que ameaçava prendê-lo, a mulher saiu em sua defesa:

"Calma, seu guarda, o senhor não pode fazer isso! Não vê que meu marido, coitado, está bêbado?"

Ao analisar o argumento elaborado pela defesa de Bolsonaro, talvez inspirada na velha piada do português, um dos mais renomados criminalistas brasileiros, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, diz que essa essa tese pode levar a uma revisão de todas as medidas tomadas durante o seu mandato.

"O ex-presidente da República quer se eximir da responsabilidade do que assinou! Vulgar. Banal. Seria importante fazer uma comissão para analisar todas as decisões do ex-presidente. Talvez esta investigação pudesse chegar à conclusão óbvia: ou o Bolsonaro é um inepto, ou um bandido, ou só um idiota."

Kakay adverte que, ao assumir "a completa condição do ex-presidente por não estar no gozo pleno de suas faculdades mentais, em não poder assumir os seus atos quando assinou suas mensagens em momento crítico da história recente, ressalto que esta é uma defesa de altíssima periculosidade".

Um bêbado correndo com seu carro na estrada coloca em perigo os outros motoristas e passageiros. Mas, quando se trata de um presidente da República, o risco é de todos os habitantes de um país, no caso o Brasil, onde mais de 700 mil vidas foram perdidas na pandemia de covid _ e não se sabe até hoje quantas mortes poderiam ter sido evitadas se fossem tomadas decisões certas pelo governo, a tempo e a hora.

Bolsonaro ainda poderá se arrepender amargamente de ter insistido tanto com sua tropa de choque para abrir uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), instalada ontem no Congresso Nacional, para apurar as responsabilidades pela organização dos atentados de 8 de Janeiro contra a democracia. Se a sua defesa insistir na tese da morfina, o ex-presidente corre o risco de ser interditado por uma junta médica para a vida civil.

Também sem querer, querendo, como o personagem Chaves, ele estaria se auto condenando, antes mesmo dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e nas várias instâncias inferiores, onde correm processos contra o ex-presidente.

Vida que segue.