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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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'Cidades estão alarmadas', diz brasileiro na fronteira russa com a Ucrânia

Guilherme mora em Kursk, na Rússia, ao lado na área que teve independência reconhecida por Purin - Arquivo pessoal
Guilherme mora em Kursk, na Rússia, ao lado na área que teve independência reconhecida por Purin Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

25/02/2022 04h00

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O psicólogo paulistano Guilherme Rodrigues Pereira, 23, foi morar na cidade russa de Kursk, na fronteira com a Ucrânia, há quatro meses. O que ele não imaginava é que estaria morando ao lado de uma região em uma disputa que alarmou o mundo.

"A gente aqui, do lado da fronteira, consegue ouvir mais barulhos; não de bombas, mas de aviões de guerra passando. É um céu barulhento", conta em conversa com a coluna.

Na cidade onde Guilherme mora, no extremo oeste russo, ontem foi um dia que considerou estranho. "As cidades aqui da região estão bem alarmadas, não porque as pessoas acreditam que a Ucrânia vai vir; mas porque a polícia está com muito medo de ataques terroristas", conta.

Ele cita que, com medo de atentados, os policiais estão mais rigorosos e verificando documentação em todos nos lugares.

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"Eu estava, por exemplo, no hostel, e a polícia veio e verificou documentos de todo mundo. Estavam verificando se não havia terroristas, se não havia ninguém que não deveria estar da Federação Russa. Isso aconteceu também nos trens", relata.

Assim como na ocorre Ucrânia, desde ontem o espaço aéreo da cidade está fechado —apenas aviões militares sobrevoam.

Guilherme afirma que a percepção que tem é que a maioria dos russos não esperava pelo ataque como ocorreu ontem. "Eu até perguntei para a minha professora antes de acontecer, e ela disse que não esperava", cita.

Antes do reconhecimento de Donetsk e Lugansk [como independentes] como repúblicas independentes eu não achei que chegaria a esse ponto. Após o reconhecimento, ficou na cara.
Guilherme Rodrigues Pereira

Soldado ucraniano na região separatista de Donetsk - Anatolii Stepanov/AFP - Anatolii Stepanov/AFP
Soldado ucraniano na região separatista de Donetsk
Imagem: Anatolii Stepanov/AFP

País dividido

Para Guilherme, não há dúvidas de que o país está dividido no apoio ou rejeição à ocupação. "Está bem balanceado, depende da região do país. Muitos estão apáticos; outros não apoiam a guerra, mas não tomam lado de apoio a um dos governos; e tem outros que apoiam as ações do presidente", conta.

Segundo ele, estão muito "chateados com o governo ucraniano apelo sentimento anti-Rússia que existe no país vizinho". "O governo ucraniano vem desde 2014 tomando posições 'russofóbicas",explica.

Para ele, a rejeição aos russos é demonstrada, por exemplo quando circulam vídeos de ucranianos ridicularizando a cultura russa e a história da extinta União Soviética. "Os russos têm um orgulho muito grande da vitória sobre o nazismo, e é uma ferida ainda aberta. Muitas pessoas apoiam Putin na parte sobre a 'desnazificação' da Ucrânia", afirma.

As pessoas também detestam que eles hoje reviveram figuras que cooperaram com os nazistas durante a Segunda Guerra. Sempre ouço isso: que é uma vergonha para os mortos tanto da Ucrânia como de todo o resto da URSS esse posicionamento
Guilherme Rodrigues Pereira

Vista da cidade russa de Kursk, na fronteira com a Ucrânia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vista da cidade russa de Kursk, na fronteira com a Ucrânia
Imagem: Arquivo pessoal

Mídia e a defesa de Putin

Segundo o brasileiro, a imprensa russa "comprou" a versão oficial do governo de que a guerra foi causada por conta de "provocações da Otan e da Ucrânia". "Dizem que o interesse de Putin é somente salvaguardar a segurança das repúblicas independentes. A mídia deixa bem claro que o país não quer ocupar a Ucrânia, mas sim ajudar Donetsky e Lugansk", diz.

"A visão deixa bem claro que houve tentativas de conversa por sete anos, e a Ucrânia nunca ouviu ou cumpriu os acordos. Os ataques [da Ucrânia à região declaradas independentes] foram a gota d'água", conta.

Na cidade onde vive Guilherme, há muitos refugiados russos e ucranianos que fugiram de Donetks e Lugansk. "As cidades estão sendo evacuados já há um tempo. A Ucrânia destruiu gasoduto e sistemas de água. Elas estão sem condições para viver. O governo russo, inclusive, está dando 10 mil rublos [em torno de R$ 600] para cada refugiado sobreviver até arrumar um salário. Montaram acampamentos para eles aqui", alega.

Além de Kursk, as cidades de Voronej e Belgorod também recebem refugiados. "Hoje [ontem] chegaram vários refugiados", pontua.

Mesmo diante de um cenário ainda certo sobre como a guerra vai se desenhar, Guilherme diz que se sente seguro na cidade onde mora. "O exército russo é poderoso e ninguém aqui acredita que a Ucrânia vai conseguir invadir. Só não sei como vai ser após tantas sanções, como o Putin vai agir para driblar tamanha carga. Isso é o que mais me preocupa", admite.

Mestrado na Rússia

Brasileiro diz que se sente seguro no país e vai seguir com sonho de mestrado - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Brasileiro diz que se sente seguro no país e vai seguir com sonho de mestrado
Imagem: Arquivo pessoal

Guilherme conta que escolheu morar na Rússia para fazer mestrado em psicologia. "Quero estudar sobre saúde mental no capitalismo e no socialismo", diz.

Atualmente, Guilherme está no curso preparatório obrigatório que os estrangeiros que querem cursar uma universidade na Rússia têm de passar. "Estou estudando russo bem aprofundado, além da cultura, literatura e história. Tudo voltado ao entendimento da Rússia como sociedade. Após terminar, posso entrar na universidade que desejar", conta.

Por fim, ele deixa uma mensagem aos brasileiros: "acho importante mostrar que a Rússia não é esse vilão todo como os canais estão mostrando aí no país".

Claro que existe um interesse ideológico do Putin, mas houve realmente tentativas de conversa por parte do governo russo, e a Ucrânia nunca deixou de bombardear e atacar Donbass. Fica o questionamento: a vida dessas pessoas não importa para o ocidente? Aproximadamente 15 mil civis morreram na mão do exército ucraniano e isso não é considerado quebrar os acordos de Minsk?
Guilherme Rodrigues Pereira