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Disputa por forte vai à Justiça em nova investida federal por F. de Noronha
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A disputa pela administração de uma antiga fortaleza do século 18 na ilha de Fernando de Noronha (PE) colocou o governo federal novamente em rota de colisão com o governo pernambucano. O caso, desta vez, foi parar na Justiça Federal. Decisão do último dia 15 negou a intervenção para retomada do Forte dos Remédios, um monumento tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O local é um ponto turístico tradicional da ilha, visitado por pessoas que vão ao arquipélago desde 1988.
O episódio, na verdade, é mais um em que o governo de Jair Bolsonaro cresce os olhos sobre Noronha como um todo. Em novembro de 2020, durante live, o presidente chegou a falar que tinha interesse em federalizar o arquipélago. De lá para cá, houve afrouxamentos de regras ambientais e até ideia de levar cruzeiros internacionais para o local.
No caso do forte, a disputa começou em novembro do ano passado, quando a SPU (Secretaria de Patrimônio da União) enviou ofício ao governo de Pernambuco, informando a retomada da gestão do forte, tirando da administração da ilha e devolvendo ao governo federal.
À época, a Autarquia Territorial Distrito Estadual de Fernando de Noronha reagiu e não o devolveu, dando início ao imbróglio judicial.
Em nota, Noronha lembrou que o arquipélago foi reincorporado ao patrimônio jurídico do Estado de Pernambuco na Constituição de 1988. "Pertencendo, como efetivamente pertence, ao Estado de Pernambuco, por força direta da Constituição Federal, é inadequado falar em 'retirada' ou 'retomada' da gestão do Forte dos Remédios", dizia o texto.
O forte e a disputa
O forte alvo da disputa fica na Vila dos Remédios e foi construído e inaugurado em 1737. Desde então, passou por intervenções e ampliações e foi tombado pelo Iphan em 1961. A gestão do local foi cedida pelo governo federal a Pernambuco em um contrato firmado em 2002.
A edificação passou por uma restauração do Iphan, com a recuperação dos espaços originais, a reconstrução da capela e a implantação de banheiros, entre outras melhorias. A obra foi concluída em março de 2020, e a gestão do local foi devolvida a Fernando de Noronha.
Em fevereiro de 2021, porém, o Iphan fez uma vistoria no local e alegou degradação pelo uso "sem a necessária autorização" para realização de de "diversos eventos nas instalações", que "contribuíram ao seu desgaste". A SPU diz que o contrato de cessão de uso de 2002 prevê que a não conservação adequada implicaria no retorno da gestão do forte ao governo federal.
À época, a administração de Noronha realizava um pregão para a exploração comercial do forte (que foi o alvo central da ação judicial). No dia 9 de novembro, o Consórcio Dix/Pentágono/IDG venceu com a maior oferta (prometeu pagar R$ 238 mil mensais pela concessão pelo período de 10 anos).
O local tem estrutura de 4 mil metros quadrados, e o pregão prevê a instalação de lojas, cafés, livrarias, entre outros serviços.
Na sentença que barrou a tentativa da SPU retomar o forte, o juiz Ubiratan de Couto Maurício, da 9ª Vara Federal de Pernambuco, afirma que a União não tem "legitimidade ativa" para a intervenção.
Uma unidade da federação não pode exercer atribuições de outra, tem-se que, em termos processuais, a demandante carece de legitimidade ativa para a presente demanda, pois não pode postular tutela de direito emergente de atividade constitucional que não lhe compete
Sentença de Ubiratan de Couto Maurício
A sentença completa pode ser vista aqui.
Na ação, a SPU alegou que as ilhas do país pertencem ao governo federal. Porém, no caso de Noronha, a justiça não acolheu o argumento. "Integram o domínio da União todas as ilhas oceânicas (regra geral), salvante Fernando de Noronha que pertence a Pernambuco (regra especial)", disse o juiz, citando a Constituição de 1988.
Com a negativa judicial, o contrato de Noronha com o consórcio foi assinado no último dia 17. O prazo para início das atividades do grupo é de 180 dias.
A coluna procurou a SPU, que não quis comentar a disputa e pediu, sobre o processo, que fosse procurada a AGU (Advocacia Geral da União), que por sua vez afirmou que só se manifestará nos autos —ou seja, não se sabe se vai ou não recorrer e tentar ainda a intervenção;
Investidas desde 2020
O governo Bolsonaro, desde o início, deixou claro que quer uma maior exploração turística, comercial e de pesca no local. Não à toa, tem feito investidas no arquipélago.
Em março de 2020, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chegou a prometer, em visita ao local, que o governo federal iria "desatar nós" e colocar Fernando de Noronha na rota dos cruzeiros internacionais.
Em novembro do mesmo ano, em plena pandemia, duas afrontas. A primeira, uma canetada que liberou a pesca de sardinhas —e o presidente comemorou a autorização para a ação no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha.
A medida foi questionada por pesquisadores da área. Em nota, a Sociedade Brasileira de Ictiologia disse, à época, que ela poderia "abrir um perigoso e talvez desnecessário precedente para outros parques nacionais".
Para a entidade, a liberação da pesca não está vinculada a um sistema de pesquisa, assim como não há perspectivas para avaliar a situação dos estoques de sardinhas no local. "São também desconhecidos tanto a identidade da espécie como os efeitos de sua pesca sobre a cadeia trófica", diz.
Embora sejam abundantes, o colapso da pesca de sardinhas já ocorreu em algumas partes do mundo, gerando graves prejuízos econômicos e ambientais. É fundamental a implantação de um monitoramento amplo, constante e participativo, gerando dados consistentes para análises
Sociedade Brasileira de Ictiologia
Poucos dias depois, em live, o presidente defendeu federalizar Fernando de Noronha, tirando-a da mão do governo de Pernambuco. O governo e políticos do estado reagiram. "O governo federal tenta explorar de forma predatória aquele que é um patrimônio não só do Brasil, mas da humanidade", criticou o senador Humberto Costa (PT-PE), à época.
Em abril do ano passado, o governo atuou da mesma forma e afrouxou leis ambientais permitindo construções no arquipélago superiores a 450 m².
Um outro ponto que causou arrepios aos estudiosos foi a liberação da extração de petróleo em áreas próximas ao arquipélago. Apesar de todos os apelos e explicações para que isso não fosse feito, o bloco foi a leilão em outubro de 2021, mas não teve compradores.
O bloco questionado fica na chamada bacia Potiguar, onde está uma sequência de montes submarinos que se conectam e dão vida ao arquipélago de Fernando Noronha e à reserva biológica Atol das Rocas. A ideia era ter poços de perfuração previstos justamente em cima dessa cadeia de montes.
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