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Famílias processam, e Holanda julga Braskem por bairros afundados em Maceió
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A Justiça da Holanda realizou hoje a primeira audiência para ouvir advogados e famílias afetadas pelo desastre causado pela mineração da Braskem que resultou no afundamento do solo de cinco bairros de Maceió e fez com que mais 14 mil imóveis precisassem ser desocupados desde 2018.
As famílias processam a empresa meio do escritório internacional PGMBM e buscam indenizações nas subsidiárias financeiras da Braskem instaladas na Holanda.
No Brasil, a empresa tem um acordo com Ministérios Públicos e Defensorias do estados da União para indenizar moradores com base em um plano de compensação financeira, que paga valores aos donos de imóveis e pelos lucros cessantes e prejuízos avaliados dos empresários.
Em razão desse acordo, os processos judiciais das pessoas que recebem valores que julgam ser abaixo do merecido estão suspensos ou parados no Judiciário alagoano.
Muitos moradores e entidades reclamam de que os valores propostos pela Braskem estão abaixo do que deveria ser pago. Além disso, pelo plano, para iniciarem negociação, os moradores são obrigados a deixar suas casas ou negócios para depois terem avaliação do imóvel — o que é visto como uma forma de pressão.
O problema de afundamento do solo em Maceió começou a ser percebido há quase quatro anos, após um tremor de terra ter rachado casas na região do bairro do Pinheiro. Estudos do Serviço Geológico do Brasil apontaram que cinco bairros estavam afundando, e que a culpa seria a mineração da sal-gema na região (que ocorre desde a década de 1970).
Por causa dos problemas, moradores dos bairros de Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e Farol precisaram ser relocados, deixando uma área central de Maceió como uma cidade fantasma. O problema atingiu 14 mil imóveis e ao menos 55 mil pessoas diretamente.
A audiência
A coluna acompanhou a transmissão da audiência na corte distrital de Roterdã na íntegra, em Maceió, ao lado de ex-moradores dos bairros que processam a empresa.
Três moradores estiveram na Holanda e prestaram depoimento, em que relataram o drama vivido pela comunidade local.
Nesse primeiro momento, a justiça holandesa vai decidir se tem jurisdição ou não para julgar o caso. Caso decida que sim, passa a avaliar o mérito sobre o direito a indenizações.
O resultado final sairá no dia 21 de setembro, quando a Justiça holandesa informará se vai ou não julgar a Braskem lá.
Em certos momentos da audiência, houve revolta dos moradores, especialmente quando um dos advogados da Braskem afirmou que os moradores não foram obrigados a deixarem suas casas.
Uma das moradoras que acompanharam a audiência foi Ana Lúcia dos Santos, 63. Ela morava no bairro do Pinheiro, mas após ter que deixar o local, está vivendo hoje de aluguel no bairro Tabuleiro do Martins, na parte alta da cidade e periferia de Maceió.
"Minhas duas filhas perderam o emprego, tudo foi difícil. Nossa família tinha uma avícola, um salão de festa lá. Nossa família era uma comunidade, e essa tragédia separou todo mundo", diz ela, contando que perdeu também vizinhos.
Muitos entraram em depressão, outros não aguentaram e faleceram. Ali fui uma vida inteira, meu pai [Amaro Manuel dos Santos] foi o fundador das construções naquele o terreno. Fez primeiro uma palhoça, e depois fez casinha.
Ana Lúcia dos Santos, que perdeu a casa em Maceió
Para Ana Lúcia, buscar justiça fora do país é uma opção porque no Brasil, afirma ela, o Judiciário "está muito lento". "Muita gente morreu e não ganhou processo ainda."
A ação
A ação na Holanda afirma que as empresas subsidiárias da Braskem têm responsabilidade indireta pelo que ocorreu em Maceió, já que elas financiavam a atividade. Ainda segundo os advogados, a lei brasileira diz que ela também deve compensar e indenizar as vítimas.
Os advogados representantes na audiência afirmaram que a lei garante direito a indenização, já que os processos estão parados no judiciário brasileiro, afetando os moradores que não aceitaram os valores oferecidos pela Braskem.
Durante a ação, uma fala chamou a atenção de uma das juízas (três que estão no caso acompanharam a audiência): a empresa diz que está compensando os moradores pelos danos no Brasil, mas não se admitiu como a responsável pelo problema.
A explicação dada pelo advogado é que, no direito brasileiro, o pagamento já seria uma espécie de reconhecimento —o que seria diferente na lei holandesa.
Segundo Pedro Martins, advogado sócio da PGMBM, o escritório decidiu levar o caso também para a Holanda porque naquele país é sediada a filial europeia do grupo Braskem. Segundo os advogados, na Holanda são três subsidiárias financeiras da empresa no Brasil:
- Braskem Netherlands B.V
- · Braskem Netherlands Finance B.V
- · Braskem Netherlands Inc. B.V.
"Hoje foi possível argumentar e apresentar nossos pontos na Corte. Já temos uma data para a decisão e estamos extremamente confiantes", afirma ele, que representa os moradores juntamente com os escritórios Araújo Advogados Associados e Omena Advocacia.
Advogados tentam barrar que Holanda julgue casos
O advogado da Braskem afirmou durante a audiência que se a justiça aceitar o processo, o judiciário holandês será abarrotado de ações de moradores. Alegaram também que não há jurisprudência de caso relacionado de uma filial ser processada por um suposto dano da matriz.
Eles alegam que não houve influência das empresas na Europa no problema gerado em Maceió. "Não há relevância causal, não houve qualquer ação que tenha cooperada para causar o acidente. Não há nenhum produto que tenha sido produzido lá que tenha sido utilizado aqui", disse um dos advogados da empresa.
Os advogados defenderam que o caso deve ficar apenas no âmbito jurídico brasileiro porque ele tem "todo acesso a informações e provas aos danos ambientais".
"O direito brasileiro tem acesso a todos os comprovantes em português de todos os fatos. Um juiz neerlandês teria de se debruçar nisso, importando um tema muito amplo", afirmou, citando ainda que a Braskem "tem feito tudo para reconhecer e indenizar" pelos danos.
Procurada pela coluna, a Braskem apenas disse que "a primeira audiência foi realizada hoje e contou com a participação de representantes da empresa, que acompanha o processo e tem apresentado suas manifestações nos autos".
Segundo a Braskem, o programa de compensação financeira e apoio à realocação, criado em janeiro de 2020, já apresentou 14.495 propostas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento até o fim de abril. Dessas, 12.637 já foram aceitas e 11.382, pagas. A empresa diz que já desembolsou R$ 2,38 bilhões.
Para comerciantes e empresários, foram apresentadas 4.015 propostas e 2.815 foram pagas até o último mês. De acordo com a Braskem, 14.442 imóveis foram identificados na área de necessidade de realocação.
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