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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Caso Genivaldo: ONGs querem que União pague indenização de R$ 128 milhões

Colunista do UOL

27/05/2022 12h09

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Duas associações que militam no movimento negro vão ingressar hoje com uma ação civil pública contra União pedindo uma indenização por dano moral coletivo e social pela morte de Genivaldo de Jesus Santos, 38, praticada por agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) no porta-malas de uma viatura em Umbaúba (SE).

Como indenização, eles vão pedir o mesmo valor pago à família de George Floyd (US$ 27 milhões), morto na mesma data de Genivaldo, só que em 2020, nos EUA. No caso, em valores atuais, o valor pedido é de R$ 128 milhões. A ação será impetrada na Justiça Federal de Sergipe.

"Definimos o pedido de indenização com base no que foi fixado nos Estados Unidos para o George Floyd porque Genivaldo de Jesus, assim como ele, também era negro, foi morto pela polícia, por asfixia, e exatamente na mesma data, embora com a diferença de dois anos", afirma o Márlon Reis, advogado da ação coletiva e doutor em Sociologia Jurídica.

A Justiça brasileira sempre fixou indenizações irrisórias em casos de graves violações de direitos humanos. Isso acabou.
Márlon Reis, advogado

Genivaldo Santos, 38, morreu no mesmo dia em que assassinato de George Floyd completou 2 anos - Reprodução - Reprodução
Genivaldo Santos, 38, morreu no mesmo dia em que assassinato de George Floyd completou 2 anos
Imagem: Reprodução

No caso, porém, essa indenização não seria destinada à família, já que se refere a dano coletivo. A família de Genivaldo pode pedir indenização em caráter individual na Justiça.

Genivaldo foi morto na quarta-feira após ser parado em uma blitz, imobilizado e rendido por policiais rodoviários federais na BR-101, em Umbaúba. Toda a ação violenta foi gravada por testemunhas.

A morte de Genivaldo está sendo investigado em inquérito aberto pela PF (Polícia Federal) e acompanhado pelo MPF (Ministério Público Federal) em Sergipe. Os cinco policiais que participaram da ação foram afastados das ruas e vão responder processo disciplinar.

A morte de Genivaldo causou grande comoção na cidade, que parou ontem para um ato de protesto. O sepultamento do corpo dele foi acompanhado por centenas de pessoas e teve aplausos e gritos de "justiça".

Policiais prende Genivaldo e o sufocam com gás lacrimogêneo - Reprodução - Reprodução
Policiais prende Genivaldo e o sufocam com gás lacrimogêneo
Imagem: Reprodução

"Câmara de gás", diz petição

A coluna teve acesso à petição das ONGs. Nela, as entidades autoras (Educafro Brasil e Centro Santo Dias de Direitos Humanos) classificam como "atos atrozes de violência policial" que resultou no "assassinato brutal e sob tortura de cidadão negro asfixiado até a morte com gás tóxico por policiais rodoviários federais".

"Os agentes da Polícia Rodoviária Federal de Sergipe, depois de imobilizar o cidadão negro sem que ele tenha oposto qualquer resistência, trancafiaram-no com requintes de perversidade dentro do porta-malas", dizem.

Ainda segundo as entidades, os policiais transformaram o porta-malas "em câmara de gás por meio do bombeamento de grande quantidade de fumaça tóxica, causando a morte por asfixia do cidadão negro totalmente indefeso e desarmado".

O laudo do IML (Instituto Médico Legal) de Sergipe apontou, preliminarmente, morte por asfixia. "Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia", diz o instituto, em comunicado.

Para as ONGs, a ação demonstra uma "manifestação explícita de racismo estrutural e institucional", violando "os princípios e finalidades que devem orientar o serviço de segurança pública e os direitos fundamentais de toda a população negra do país".

Policiais imobilizam Genivaldo na BR 101, em Umbaúba (SE) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Policiais imobilizam Genivaldo na BR 101, em Umbaúba (SE)
Imagem: Arquivo pessoal

Genivaldo deixa filho e esposa

Morto por policiais rodoviários federais, Genivaldo era aposentado, casado e deixa um filho de sete anos. Ele era uma pessoa conhecida e querida na cidade.

O homem morto pela PRF não tinha condenações, nem respondia a processos na Justiça. Ele se aposentou cedo por conta do problema de saúde, a esquizofrenia que convivia há duas décadas.

O sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, contou à coluna que os policiais deram ordem de Genivaldo parar com a moto, que foi prontamente obedecida pela vítima. Ele diz que informou aos policiais de que Genivaldo teria problemas mentais e cardíacos.

"O policial só pedia para gente se afastar, e aí começou uma sessão de tortura. Quiseram colocar algema nele, e não coube; pegaram então uma fita lá dentro e amarraram as pernas dele; começaram a pisar na cabeça e nas pernas dele", afirma.

Enterro de Genivaldo reuniu muita gente nesta quinta-feira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Enterro de Genivaldo reuniu muita gente em Umbaúba (SE) nesta quinta-feira
Imagem: Arquivo pessoal

Técnicas de menor potencial diz PRF

Em nota, a PRF de Sergipe diz que Genivaldo "resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF" —o que é desmentido pelas imagens, que mostram ele imobilizado pelos policiais.

A corporação afirmou que, em razão de sua "agressividade", foram empregadas "técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à delegacia da polícia civil da cidade".

A PRF, porém, não explica quais seriam essas técnicas e instrumentos. Ainda de acordo com a nota oficial, durante o deslocamento até a delegacia "o abordado veio a passar mal e foi socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde foi posteriormente atendido e constatado o óbito".