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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Barco quebrado deixa indígenas isolados: 'Não tenho como comprar remédios'

Barco que poderia levar indígenas para comprar água e comida está parado há dois anos - Arquivo pessoal
Barco que poderia levar indígenas para comprar água e comida está parado há dois anos Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

20/07/2022 04h00Atualizada em 20/07/2022 14h17

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Indígenas do povo Aconã, em Traipu, no sertão alagoano, estão ilhados por terra e sem barco para navegar pelo rio São Francisco há mais de 15 dias, devido às fortes chuvas que caíram no início do mês, causaram destruição e deixaram mais de 50 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas no estado.

Os indígenas dizem que o único barco que atende a comunidade, pertencente ao DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde), está parado há pelo menos dois anos. Por falta de manutenção, os defeitos não o permitem navegar.

Sem acesso a outras localidades, os indígenas alagoanos estão sobrevivendo apenas com doações de terceiros que entram de barco na comunidade. Vários problemas estão sendo relatados por falta de comida, água e, mais recentemente, remédios.

"É uma situação desesperadora saber que não tenho como comprar meus remédios. Alguns medicamentos ainda tenho; outros, não mais", conta Ângela Maria Saraiva, 54, indígena que é cardiopata e fez angioplastia em agosto de 2021. Ela faz uso dos remédios para controlar os problemas cardíacos e hipertensão.

Ficamos sem poder fazer nada. É só pedir a Deus e às pessoas de boa vontade que nos socorram."
Ângela Maria Saraiva, indígena que sofre com falta de remédios

Ângela Maria Saraiva é cardiopata - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ângela Maria Saraiva é cardiopata e já está com remédios em falta
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo Suriana Aconã, filha do cacique Saraiva Aconã, a situação está sendo tratada com descaso pelas autoridades públicas. Ela afirma que nem a Funai (Fundação Nacional do Índio) nem a Sesai foram ao local após as chuvas para dar alguma ajuda.

"A estrada de barro que dá acesso às cidades mais próximas —São Brás e Porto Real do Colégio— está interditada. A gente não tem como ir pedir socorro ao homem branco. Não passam carros. Estamos isolados", conta.

Suriana conta que existem três carros da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) na aldeia, mas não conseguem sair. "Com a situação atual, nem por terra, nem por água conseguimos sair. Estamos presos aqui. A sorte é que pessoas de bom coração doaram alimento, água e lençol", conta.

Quem tem um dinheirinho pode alugar um barco para ir no povoado vizinho comprar algo mais simples, mas estamos nessa há 15 dias. A gente pede socorro para que nos ajudem."
Suriana Aconã, filha de cacique

Água usada por indígenas Aconã em Traipu - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Água usada por indígenas Aconã em Traipu (AL)
Imagem: Arquivo pessoal

Ela cita que nem mesmo a água que estão bebendo é própria para consumo humano. "A água não é tratada, pegamos direto do rio. A gente está bebendo porque não tem como sair daqui. Ficamos com baldes para pegar água da chuva nas pingueiras e guardar um pouco", conta.

Na aldeia Aconã vivem cerca de cem pessoas. A Reserva Indígena Aconã foi criada em 2003 com uma área de caatinga de 268 hectares.

Uma das pessoas que precisa de medicamentos controlados é o seu pai, o cacique Saraiva Aconã, que tem problemas cardíacos.

"A mediação dele só se acha em Arapiraca ou Maceió, e não temos como ir comprar. Temos mais outros indígenas aqui cardiopatas, hipertensos e diabéticos", afirma Maria Isabel Saraiva, que é cuidadora do cacique e de outros enfermos na localidade.

Cacique Saraiva Aconã é um dos que depende de remédios controlados na aldeia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cacique Saraiva Aconã é um dos que dependem de remédios controlados na aldeia
Imagem: Arquivo pessoal

Ajuda de barco

Na quinta-feira passada, cientes da situação, um grupo de voluntários da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e do Rotary Clube foram até a aldeia e levaram mais de duas toneladas de alimentos e de 500 litros de água mineral.

A entrega foi feita após percorrerem o percurso de barco pelo rio São Francisco.

"Lá encontramos dificuldades relacionadas à falta de alimentos e água", conta a professora do Instituto de Química e Biotecnologia da Ufal Tatiane Balliano, que fez parte da comitiva.

É um povo de grande valor, mas existem pessoas com doenças crônicas em situação de crise. O cacique está com problema crônico no fígado, precisa de atendimento médico."
Tatiane Balliano, voluntária

Chuvas causaram muita destruição na aldeia Aconã, em Traipu (AL) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Chuvas causaram muita destruição na aldeia Aconã, em Traipu (AL)
Imagem: Arquivo pessoal

Procurada, a Sesai, informou que o DSEI Alagoas e Sergipe foi informado apenas no dia em 13 que a aldeia estava ilhada devido às fortes chuvas.

"Por meio de articulação entre o Apoiador Técnico de Saneamento com a Prefeitura Municipal de Traipú, o DSEI AL/SE conseguiu um meio de transporte para que a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena pudesse chegar à Unidade Básica de Saúde Indígena para dar continuidade ao atendimento da população. A UBSI Aconã atende cerca de 70 indígenas da região", diz a nota.

A nota também diz que os indígenas da aldeia "são atendidos pelo hospital de referência próximo à comunidade, cujo acesso se dá de forma terrestre". Entretanto, moradores voluntários que foram ao local afirmam que a estrada está intrafegável.