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Avanço de projeto de maior mina de urânio do país gera medo no sertão do CE
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O projeto para criar a maior mina de exploração de urânio no país, em pleno centro do semiárido cearense, está prestes a receber dois dos três licenciamentos necessários, apesar das críticas e do temor de moradores da região.
O maior receio é que a radiação em Santa Quitéria —que já é acima da média em alguns locais pela presença do minério— cresça a níveis problemáticos.
Além disso, o projeto prevê um grande uso de água em uma região marcada pela seca. Moradores e ativistas temem que isso deixe a população com acesso restrito ao líquido primordial ao ser humano.
Os empreendedores dizem que não há riscos e que o projeto é seguro (leia nota ao final do texto).
A ideia de exploração no local não é nova. Essa é a terceira tentativa, após duas frustradas, em 2004 e 2014. Se tiver autorização, eles vão retirar fosfato (reservas de 8,9 milhões de toneladas) e urânio (80 mil toneladas) da fazenda Itatiaia, que tem 4.042 hectares, por duas décadas.
Hoje a exploração de urânio no país ocorre apenas em Caetité (BA) —antes houve em Poços de Caldas, em Minas Gerais, onde há uma série de problemas denunciados, como o aumento do índice de câncer, contaminação de água e acúmulo de rejeitos radioativos. No Ceará, há o medo de que a história se repita.
Quem está à frente do projeto é o Consórcio Santa Quitéria, formado pelo INB (Indústrias Nucleares do Brasil) com a empresa de fertilizantes Galvani. A presença do INB se justifica porque o monopólio da extração de urânio no Brasil é estatal.
O projeto ganhou fôlego com a guerra na Ucrânia, que levantou o debate sobre a dependência do Brasil em importar matéria-prima para fertilizantes.
Na fazenda, há previsão da produção anual de 1 milhão de toneladas por ano de fertilizantes fosfatados, 200 mil toneladas de fosfato para ração animal e 2.300 toneladas de urânio.
Para isso, o consórcio prevê um investimento de R$ 2,3 bilhões. O novo pedido para exploração das jazidas ocorreu em 2019. O EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) foi protocolado pelo empreendedor há exato um ano.
O governo do estado já liberou, em maio, a outorga para garantir a viabilidade do uso de água.
O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) informou à coluna que "o projeto encontra-se em fase final de análise de estudo de impacto ambiental (EIA), com previsão de expedição de parecer para as próximas semanas".
Já a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) disse que está realizando dois licenciamentos. O primeiro é relativo à parcela minero-industrial, enquanto o segundo versa sobre a parcela nuclear do empreendimento.
"O licenciamento minero-industrial está em fase final de avaliação, e a CNEN em breve deverá se manifestar, aprovando ou não esta parte do empreendimento", diz.
Sobre o licenciamento nuclear, diz que é "bastante mais complexo e compreende três etapas".
"Neste momento, a CNEN está avaliando a documentação relativa à primeira fase. Não se espera que o licenciamento nuclear seja finalizado em prazo inferior a dois anos. Dadas as características do empreendimento, a instalação como um todo somente poderá operar após a finalização dos dois licenciamentos", informa.
Relatório pede não aprovação
No último dia 10, o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) publicou um extenso relatório após visita ao local apontando problemas e sugerindo que os licenciamentos não sejam concedidods.
A comissão cita falta de dados claros sobre radiação e dá como exemplo a proibição de acesso aos três túneis que foram feitos ainda nos anos 1980 para prospecção no projeto-piloto.
"Não se sabe a dimensão dos túneis, a gente só vê a porta pelas fotografias. Não chegamos nem sequer a uma distância de 100 metros, porque informaram que havia risco pela radiação", conta o advogado Everaldo Patriota, um dos conselheiros que foi a Santa Quitéria.
O professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Emerson Ferreira de Almeida, acompanhou a comitiva e diz que a radiação nesses túneis deve ser 50 vezes maior do que num ambiente normal.
"Isso é uma hipótese quando comparado a locais assemelhados no Meio-Oeste americano. Também são lugares sem circulação do ar", diz.
Ele conta que, na visita, mediu nível de radiação três vezes maior do que o máximo indicado para a saúde em uma escola onde houve uma audiência.
"Em Santa Quitéria, temos urânio, mas temos alguns elementos que são ainda mais energéticos do que ele. Isso faz a radiação ser mais alta", explica.
"O problema é a retirada de material que muda o ambiente. Temos experiência de mineração na África e na Índia, que têm estudos que mostram que antes era uma coisa e depois virou uma catástrofe."
Outro ponto citado por ele é que, após a extração, o local vira "um depósito de lixo radioativo e você não tem como tirar [a radiação] do ambiente".
Vão ser pilhas de rejeito para sempre, e o Brasil não tem uso para esses materiais. É o que houve em Poços de Caldas. É um alto custo que terá de ser mantido. Quem vai pagar?"
Emerson Ferreira de Almeida, professor
Medo de moradores
O professor e agricultor familiar Luís Paulo Santos Sousa, 35, mora na comunidade Morrinhos, que fica a cerca de 4 km do empreendimento. Ele relata que todos estão apreensivos com a possível instalação do projeto.
"Nossa maior preocupação é a possível contaminação do ar, das águas e do solo. O vento sopra nessa direção. Tememos impactos mais profundos e tem até alguns moradores que já falam em ir embora", diz, citando que a comunidade teme também problemas vistos em todos os locais que passam por grandes obras.
Isso deve aumentar o nível de prostituição, uso de drogas e bebidas alcoólicas. Vai aumentar também a movimentação, e aqui é um local muito sossegado. Serão impactos negativos."
Luís Paulo Santos Sousa, morador
Segundo Pedro D'Andrea, do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), o empreendimento é inviável no local por conta da necessidade do uso da água. "Ali é o sertão central do Ceará, e os municípios dependem de políticas de convivência com a seca", diz.
Para o empreendimento, a demanda de água necessária é de 23 milhões de litros por dia. "Isso equivale a 89 carros-pipa por hora. Para você ter ideia, os assentamentos vizinhos recebem 27 carros-pipa por mês", afirma.
Nesse caso da água, o conselheiro Everaldo Patriota diz que o temor tem relação com a oferta hídrica do açude Edson Queiroz, que tem capacidade para 254 milhões de m³. Em outubro, ele estava com apenas 43,7% do volume.
Patriota lembra que esse manancial já passou por estresse hídrico em 2017. "O açude ficou 9,84% [24,99 milhões de m³] de sua capacidade. Com esse índice, não há como manter a atividade. Isso é um ponto muito crucial."
Sobre a questão da água, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará informou que, em maio de 2022, publicou portaria concedendo a outorga definitiva por dez anos ao projeto "com uma vazão contínua de 263,89 litros por segundo, por 22 horas, 7 dias por semana para viabilizar empreendimento industrial".
Consórcio diz que 'projeto será seguro'
Em contato com a coluna, o Consórcio Santa Quitéria diz que não teve acesso ainda ao relatório do CNDH, mas "assegura que o empreendimento será seguro e não representará danos à saúde dos trabalhadores e das pessoas que moram nas localidades vizinhas".
"Todos os possíveis impactos ambientais foram estudados, e medidas para reduzi-los, controlá-los e mitigá-los serão implementadas. Em todas as fases do empreendimento, para assegurar que a saúde pública e o meio ambiente sejam preservados, os parâmetros ambientais e radiológicos serão rigidamente monitorados e fiscalizados pelos órgãos reguladores."
Ainda na nota, o projeto alega que "não viola ou violará qualquer direito humano". Sobre o uso de água, destaca que, "em caso de escassez, a lei prevê prioridade para o abastecimento humano e animal".
"O projeto não irá contaminar a água, o ar, o solo nem as lavouras ou as criações de animais da região. Em todas as áreas do processo produtivo e nas localidades vizinhas serão instalados equipamentos para monitorar a radiação e poeira no ambiente."
Também diz que os níveis de radiação durante a operação não serão prejudiciais à saúde dos trabalhadores e das populações locais.
O projeto afirma ainda que não terá barragem de rejeitos. "O que é usualmente conhecido como lixo nuclear são os rejeitos gerados em usinas nucleares, a qual envolve urânio enriquecido (necessário para a geração de energia) —o que não se aplica ao projeto."
"Ratificamos que o propósito do Consórcio é implantar um empreendimento com adoção das melhores práticas empresariais, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU)."
QApós a publicação, o INB disse aque "não há nenhum estudo que demonstre aumento de casos de câncer em Caetité (BA)", como alegam algumas entidades.
"A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), contratada por licitação pela INB, realizou estudos epidemiológicos em Caetité entre 2008 e 2013. Em conclusão, o estudo não estabeleceu uma possível relação entre a exposição à radiação ionizante e o perfil de mortalidade da região."
"Além disso, segundo o acordão nº 1226/2022 do Tribunal de Contas da União (TCU), os resultados de monitoração e pareceres entregues pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis- Ibama, de 2018 a 2021, indicam a inexistência de contaminação por urânio nas águas do município de Lagoa Real (BA), cidade da Região de Caetité, que fica mais próxima às instalações da INB."
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