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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Yanomami relata 5 óbitos em aldeia: 'Socorro foi tarde, meu filho morreu'

Colunista do UOL

01/02/2023 04h00

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A comunidade Palimiú, na Terra Yanomami, contabiliza pelo menos cinco crianças mortas em um período de 12 meses. A última vítima foi um bebê de menos de um ano que morreu após ser resgatado e internado no Hospital da Criança, em Boa Vista.

O pai da criança contou o drama ao defensor público federal Renan Vinicius Sotto Mayor, que comandou uma missão a Roraima entre os dias 25 e 27 de janeiro. A gravação foi cedida à coluna e revela como a falta de assistência levou às mortes.

Ficamos cinco luas [meses] sem visita das equipes de saúde
Indígena yanomami que não terá o nome identificado por questões de segurança

Na comunidade de Palimiú vivem aproximadamente 500 indígenas, assolados pela violência e ameaças de garimpeiros. Na aldeia onde esse yanomami vive são cerca de 160 pessoas. A localidade fica a 3 horas de distância do rio Uraricoera, e para que profissionais de saúde cheguem para as visitas é preciso cruzar esse rio cheio pontos de garimpo ilegal.

Garimpo no Rio Uraricoera, na Terra Indiígena Yanomami - Bruno Kelly/HAY - Bruno Kelly/HAY
Garimpo no Rio Uraricoera, na Terra Indiígena Yanomami
Imagem: Bruno Kelly/HAY

Sem a assistência, diz, o filho dele adoeceu e ficou sem tratamento. "Eram quatro sintomas: febre, tosse, falta de ar e diarreia", diz.

Além da desnutrição, os médicos informaram que se tratava também de pneumonia e malária avançadas. Ele não resistiu e faleceu dia 25.

Foi muito tempo sem atendimento. Quando ele veio para, não deu tempo de salvar. Agora ele está morto.
Indígena Yanomami

Segundo ele, além de seu filho, outras quatro crianças morreram na aldeia em um período de pouco mais de um ano, sendo duas delas seus sobrinhos.

O defensor Renan Mayor classifica a situação encontrada como "desesperadora." "Enquanto estamos falando aqui, tem gente com fome e morrendo na Terra Indígena", diz.

Após os relatos, ele solicitou aos ministérios da Defesa e da Justiça um aumento no aparato aéreo dos indígenas. "Minha angústia é que temos dois helicópteros para atender uma área 9 milhões de hectares. Óbvio que vai faltar", afirma.

Onde fica a terra Yanomami - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

A gente percebe o governo federal agindo, com interesse. Mas é preciso ter uma estrutura de guerra no Ministério da Defesa. A logística é muito cara, e não pode ter limite orçamentário, já que isso foi decorrente de uma falha estrutural do estado brasileiro.
Renan Vinicius Sotto Mayor, defensor público federal

Em resposta à coluna, o Ministério da Defesa disse que está "empenhando todos os seus esforços, por meio das Forças Armadas, na busca da solução ao problema que atinge o povo Yanomami."

"Nesse sentido, a pasta continuará analisando e atendendo as demandas apresentadas", completa.

Segundo Mayor, muitas comunidades ainda não foram atendidas, já que ficam em áreas mais isoladas e os indígenas não têm acesso a um rádio para contato.

"A emergência zero é combater a fome. É preciso fazer uma busca ativa, ir atrás. Há áreas também em que o garimpo impede a passagem deles para conseguir socorro, e as equipes não podem passar."

Criança alimentada pela mãe yanomami em Boa Vista - Tom Costa/Ministério da Justiça e Segurança Pública - Tom Costa/Ministério da Justiça e Segurança Pública
Criança alimentada pela mãe yanomami em Boa Vista
Imagem: Tom Costa/Ministério da Justiça e Segurança Pública

Ainda de acordo com relatos, muitas pessoas cientes da operação de resgate e apoio estão indo em busca de pedir socorro nos pólos-base, mas estão morrendo no caminho. "Isso não foi um ou dois relatos. Foram vários!", afirma.

Mayor explica que esses pólos-base ficam distantes até dois dias das aldeias.

Um dos relatos é que uma mãe saiu carregando o filho desnutrido, e no segundo dia ele morreu nos braços dela. Ela chegou no posto e entregou. É uma cena inimaginável
Renan Vinicius Sotto Mayor, defensor público da União

Mas os indígenas não estão saindo só por doença. "Ouvimos também relatos de que uma indígena teria deixado sua aldeia em busca de comida e teria sido encontrada morta no caminho, possivelmente por não ter resistido à desnutrição e às doenças", cita André Carneiro, vice-presidente da Comitê Nacional de Direitos Humanos que acompanhou a visita da DPU.

Segundo ele, desde 2020 havia detalhes repassados ao governo sobre a situação de fome e conflitos na Terra Yanomami.

"As medidas determinadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos foram sistematicamente descumpridas pelo governo brasileiro. A omissão do poder público está provocando a morte de crianças Yanomami e é simplesmente intolerável, diz.

É uma situação criminosa, cruel e revoltante. Não vislumbro outra forma de descrever a situação que vimos em Roraima."
André Carneiro, vice-presidente da Comitê Nacional de Direitos Humanos