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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Sem 'emergência', sertão alagoano perde carros-pipa e critica governo Lula

Carros-pipa estão sem circular em Alagoas desde novembro - Fernando Vivas/Folhapress
Carros-pipa estão sem circular em Alagoas desde novembro Imagem: Fernando Vivas/Folhapress

Colunista do UOL

18/02/2023 04h00

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Os municípios do semiárido de Alagoas estão sem receber água da Operação Carro-Pipa. Se no final do governo Jair Bolsonaro o problema era falta de recurso, o problema agora é por questões burocráticas.

O problema ocorre porque as prefeituras não decretaram situação de emergência já que o nível pluviométrico melhorou com chuvas no fim de ano e, tecnicamente, não há estiagem ou seca, segundo a AMA (Associação dos Municípios de Alagoas)

Porém, há diversas comunidades que seguem sem fonte e necessitam de carros-pipa para ter água potável. No estado, 37 municípios recebiam água da operação.

Tenho 16 anos de vida pública e nunca ouvi falar em paralisação da operação Pipa até o governo Bolsonaro. Antes era dinheiro, agora estão alegaram decreto de emergência para negar voltar em Alagoas. Hugo Wanderley (MDB), presidente da AMA e prefeito de Cacimbinhas.

Já o MIDR (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional), pasta comandada por Waldez Góes, e que coordena a operação, afirma que a operação só pode atender prefeituras que tenham decreto de emergência reconhecido em âmbito federal, e apenas um município alagoano teve isso (leia abaixo).

A operação Carro-Pipa é executada pelo Exército, que foi procurado pela coluna, mas não respondeu até aqui.

Versão contestada

Hugo Wanderley alega que a portaria interministerial do programa, de 2012 não prevê obrigatoriedade da emergência para levar água aos sertanejos e critica o governo federal pela exigência. "O único município com decreto foi Traipu, mas que teve de ser refeito após primeira negativa do governo", diz.

Depois disso, eles juntaram documentos que mostram que a prefeitura está fazendo a distribuição de água. Não é esse o modelo ideal, não deveria se cobrar decreto; mas se necessário, vamos replicar o que foi feito em Traipu."
Hugo Wanderley

Por conta das dificuldades, os prefeitos chamaram a bancada federal de Alagoas para uma reunião na segunda-feira passada, e os deputados afirmaram que vão cobrar mudanças na sistemática da operação para que ela se torne permanente.

"Queremos que seja uma política definitiva, porque essas pessoas não têm outra fonte de água. Toda a operação é operada e fiscalizada pelo Exército, que controla isso de perto", garante Wanderley

13.jan.23 - Prefeitos e deputados federais debateram cobrança para volta dos carros-pipa a Alagoas - AMA/Divulgação - AMA/Divulgação
13.jan.23 - Prefeitos e deputados federais debateram cobrança para volta dos carros-pipa a Alagoas
Imagem: AMA/Divulgação

Segundo o último relatório da Semarh (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), de janeiro, não há municípios com seca técnica. Entretanto, o mesmo documento —que serviu de base para o pedido dos municípios para receber água pela operação Carro-Pipa— afirma que há necessidade de abastecimento.

Mesmo com a inexistência da seca relativa, as informações indicam que existe uma condição de 'ESCASSEZ HÍDRICA' nos municípios do semiárido alagoano, pois mesmo que haja água nos reservatórios, principalmente em pequenas cisternas e em barreiros e o solo ainda tenha umidade, a qualidade da água para consumo humano está seriamente comprometida."
Relatório Semarh

Drama de moradores

Em Pariconha, no sertão alagoano, a coluna ouviu moradores que estão sofrendo sem água. No município, cerca de 4 mil habitantes vivem da zona rural.

A agricultora Laíse Araújo Silva, 28, mora em uma pequena casa no sítio Queimadas com mais cinco pessoas e conta à coluna que o único barreiro próximo a sua casa está seco.

Sítio Queimadas, em Pariconha (AL), tem barreiro seco - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sítio Queimadas, em Pariconha (AL), tem barreiro seco
Imagem: Arquivo pessoal

Não temos água encanada, mas querem que passemos um mês com um [abastecimento apenas de carro] pipa. Não dá! São três refeições por dia, ou seja, três vezes pratos para lavar. A água ainda tem de servir para limpar a casa, tomar banho, dar aos animais. Laíse Silva, moradora de Pariconha

Ela afirma que a última vez que recebeu água (de um carro-pipa da prefeitura) foi no dia 25 de janeiro, e a cisterna está seca. "Estou pegando da vizinhança, mas a água está acabando", lamenta.

A realidade é a mesma no sítio Tabuleiro. "Aqui não tem açude, barreiro ou qualquer fonte próxima. Só tenho a água do [carro] pipa. Quando falta, pego na casa do meu avô. É bem difícil a situação porque minha casa tem criança pequena", cita Edileiide Gomes do Nascimento, 41, que mora com mais sete pessoas em uma casa.

Prefeitura não dá conta de fornecer água sozinha. Tony de Campinhos (PP), prefeito de Pariconha, afirma que, sem a operação, a administração municipal tem colocado carros-pipa para entregar água, mas não há condição de atender toda a demanda.

Existe uma percepção [do governo federal] incorreta: não se bebe água de barreiros, são impróprios. É necessário superar isso porque estamos falando de um programa de água potável para áreas distantes de centros urbanos e onde não chega água encanada"
Tony de Campinhos, prefeito de Pariconha

Carro-pipa pago pela prefeitura leva água a zona rural de Pariconha (AL) - Prefeitura de Pariconha (AL) - Prefeitura de Pariconha (AL)
Carro-pipa pago pela prefeitura leva água a zona rural de Pariconha (AL)
Imagem: Prefeitura de Pariconha (AL)

Governo federal cobra decretos de emergência das cidades. Segundo o MIDR, desde setembro de 2022 houve exclusão de alguns municípios alagoanos por falta de reconhecimento federal da situação de emergência por seca ou estiagem.

"O desligamento deles da Operação se deu em novembro do mesmo ano. Desde então, apenas o município de Traipu solicitou o reconhecimento federal da situação de emergência, que foi concedido em 31 de janeiro de 2023."

Ainda segundo a pasta, nem os demais municípios, nem o estado, solicitaram o reconhecimento federal da situação de emergência ou calamidade pública.

A maioria dos municípios encontra-se há 211 dias sem reconhecimento vigente e conforme legislação atual não podem ser atendidos pela Operação"
MIDR