Carlos Madeiro

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Reportagem

Sem demarcação de terras indígenas, invasões triplicaram sob Bolsonaro

O ano de 2022 registrou um novo crescimento no número de invasões e conflitos em territórios indígenas, segundo o relatório "Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil", publicação anual do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) — organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que foi criado em 1972.

O que diz o documento

467 casos de violência contra o patrimônio em 2022. Foram 158 casos de conflitos territoriais e 309 registros de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio — em ambos, os números registrados no ano passado foram recorde.

Essas ocorrências atingiram 218 terras indígenas em 25 estados do país.

O ano de 2022 representou o fim de um ciclo governamental marcado por violações e pela intensificação da violência contra os povos indígenas no Brasil.
Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Segundo o relatório, os principais motivos de invasões a terras indígenas em 2022 foram:

  1. Desmatamento - 74 casos
  2. Extração ilegal recursos naturais - 65
  3. Garimpo ou mineração - 45
  4. Caça e/ou pesca ilegais - 45
  5. Agropecuária -37
  6. Grilagem - 32

As mortes infantis também cresceram 35% nos últimos anos. Os dados levam em conta óbitos de zero a 4 anos. Foram 3.552 mortes nessa faixa etária contabilizadas de 2019 a 2022, contra 2.627 durante a gestão Dilma Rousseff-Michel Temer (2015-2018).

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Sem demarcação de terra indígena

Governo Bolsonaro não registrou demarcação de terra indígena. Os quatro anos de Jair Bolsonaro como presidente terminaram sem nenhuma terra indígena demarcada pelo governo federal, algo inédito desde a Constituição de 1988 (que iniciou o processo).

Para o Cimi, o governo não só "ignorou a obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários", como também atuou para flexibilizar o direito, com projetos de lei e medidas administrativas "voltadas a liberar a exploração de terras indígenas."

Como nos três anos anteriores, os conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários, como a assistência em saúde e educação, e com o desmantelamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e pela proteção destes territórios.

Menos mortes de indígenas em comparação com 2021. Entre os dados mais relevantes, o único que apresentou melhora em 2022 foi o de assassinatos de indígenas: foram 180 casos, ou 11,5% a menos que no ano anterior.

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Registros de violência física contra indígenas cresceram: totalizaram 416 casos em 2022, quase 10% a mais que no ano anterior (quando foram 382).

Tomados em conjunto, os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro apresentaram uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano - nos quatro anos anteriores, sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais.

Principais casos de violência em 2022:

  1. Assassinatos - 180
  2. Ameaças - 87
  3. Racismo e discriminação - 38
  4. Abuso de poder - 29
  5. Tentativa de assassinato - 28
  6. Violências sexuais - 20

Outro lado: a coluna procurou a assessoria de imprensa do ex-presidente Jair Bolsonaro e aguarda posicionamento para inserir no texto.

Territórios sem regularização

Segundo o relatório, 62% das 1.391 terras e demandas territoriais indígenas no Brasil possuem alguma pendência administrativa para sua regularização.

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Dentre as 867 terras indígenas com pendências, pelo menos 588 não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação e ainda aguardam a constituição de Grupos Técnicos pela Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas]

Funai não cumpriu sua função. Os grupos técnicos de responsabilidade da Funai são a primeira etapa no processo de demarcação de terras e, em 2022, só foram constituídos por determinação judicial em ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF). "Nenhum deles concluiu seus trabalhos", diz o Cimi.

A postura declarada e intencionalmente omissa do governo Bolsonaro em relação à demarcação de terras indígenas redundou no aprofundamento de conflitos por direitos territoriais, em muitos casos com situações de ameaças, ataques armados e assassinatos de lideranças indígenas.

Uma das maiores preocupações é com os indígenas isolados. Segundo o relatório, dos 117 grupos de indígenas em isolamento voluntário registrados pelo Cimi, 86 não são reconhecidos pela Funai.

Isso significa que esses povos são invisíveis para o Estado, assim como as possíveis situações de violência a que estão expostos, inclusive com o risco de que sejam vítimas de genocídio. Mesmo nos casos em que são reconhecidos pela Funai, muitos povos isolados passaram o ano de 2022 totalmente desprotegidos.

Governo encontra garimpo próximo a povos isolados na TI Yanomami
Governo encontra garimpo próximo a povos isolados na TI Yanomami Imagem: Leo Otero/ MPI

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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